Rio - Maitê Proença se apaixonou pela libertária Alice, protagonista de 'A Mulher de Bath', de Geoffrey Chaucer. E está em cena com o ator e músico Alessandro Persan, até 29 de abril, no Teatro XP Investimentos, no Leblon, sob a direção de Amir Haddad. A montagem comemora seus 40 anos de carreira e 60 de vida.
ODIA: O que te encantou neste texto?
MAITÊ: Achei um primor a tradução do José Francisco Botelho, inspirada nos cordéis do Nordeste e nas trovas do Sul. Tornava aquilo muito brasileiro. Tinha graça, irreverência e humor. A coisa estava pronta pra ser dita e o tema não poderia ser mais atual: a ferocidade dos homens e as artimanhas das mulheres.
Também está produzindo?
Sim. Como tenho feito desde que comecei a escrever pra teatro. Essa não é de minha autoria. Mas também produzo com dinheiro do bolso, correndo todos os riscos por paixão.
Na sinopse, tem esses trechos: "Uma mulher experiente, bem-humorada e de franqueza desconcertante" e "uma mulher libertária, à frente de seu tempo, e não teme dizer o que pensa". A personagem descrita assim poderia ser você?
Ela é irreverente e corajosa. Não se entrega à mesmice, ao lugar comum. Pelo contrário, se oferece em sacrifício contra as normas que não têm valor. Eu também.
Você também escreve. Escrever te deixou mais crítica pra escolher o que dizer como atriz?
Comecei a escrever porque precisava cavar mais fundo. A escrita me obrigou a um processo de investigação e entrega que eu não conseguia ter como atriz. Na TV na verdade, raramente há tempo pra isso. De qualquer forma, o que a escrita me trouxe serviu para a minha atuação. A escritora aprimorou a atriz.
Os temas abordados ainda são atuais. Que lutas femininas ainda são fundamentais?
As mulheres do mundo todo ainda sofrem com prostituição, casamentos prematuros, trabalhos forçados. Têm filhos que não desejam e que não podem alimentar, não têm educação, liberdade ou reconhecimento. São estupradas, espancadas e, às vezes, mortas com impunidade. Mulheres fazem 2/3 do trabalho mundial, mas têm menos de 1% das propriedades mundiais. Recebem menos que os homens pelo mesmo trabalho. Continuam vulneráveis porque não têm independência econômica e são constantemente ameaçadas por exploração, violência e abuso sexual. Qualquer um que concorde com as afirmações acima é feminista.
O que é libertário pra você?
Ter tempo pra usufruir, sem interrupções.
Do que se orgulha nestes 40 anos de carreira?
Orgulho-me de chegar sem saber nada e hoje ter aprendido um bocado sobre o meu ofício.
Pretende voltar a fazer TV logo?
Voltarei, sim. Daqui um tempo.
O que sonha para o país?
Somos uma sociedade construída a partir do genocídio, da escravidão e da exploração. Isso nos afeta e rege nosso povo e nossos governantes. A única forma pra mudar o funcionamento de um país em poucas gerações é a educação. Ou se investe nela, ou não sairemos do buraco que cavamos.