Rio - Gal Costa, 75 anos, não se recorda de uma vez sequer em que tenha sido vítima de machismo especificamente no meio musical. "Nunca aconteceu, até pela minha personalidade. Nunca permiti isso nem dei abertura", diz ela, que está lançando seu novo disco, 'A Pele de Futuro'. No entanto, Gal sempre se posicionou como pessoa e como artista, o que lhe garantiu maus bocados no dia a dia, como ela bem lembra.
"Na época da ditadura militar, eu ouvia agressões verbais. Quando Caetano Veloso e Gilberto Gil se exilaram e eu fiquei no Brasil, eu andava nas ruas com aquelas roupas da época do Tropicalismo, que eram fora do padrão, e acontecia isso. Nunca respondi, tinha medo de apanhar", conta a cantora.
Gal é feminista? "Olha, nunca quis ser uma militante feminista. Mas por ser mulher atuando com música num mundo machista, acho que minha atuação de certa maneira é feminista", conta. "Acho que no futuro o mundo vai ser dominado pelas mulheres. Elas no futuro serão a figura dominante num mundo machista".
Enquanto o mundo gira e as coisas mudam, Gal acompanha o crescimento do filho, Gabriel, com 13 anos. Como está sendo a chegada dele na adolescência? "Tá sendo tranquila, ele é muito bonzinho. Só tá se achando homem, agora. Quer sair sozinho. Eu não deixo, não! O mundo tá violento", diz, rindo. A mãe de Gal, dona Mariah, foi presente na vida musical da cantora para influenciá-la, passou os nove meses da gestação ouvindo música clássica e cantando. E Gal enxerga conexões entre o filho e a avó.
"Minha mãe tinha uma mania: se o cabelo dela caía no chão, ela catava o cabelo e jogava no lixo, ou na privada, e dava descarga. Eu odeio chão sujo de cabelo. Quando vem uma pessoa de cabelo muito grande em casa e fica mexendo nele, eu passo mal!", revela. "Quando Gabriel era pequeno, a babá dele veio me dizer: 'O Gabriel pegou o fio de cabelo que estava no chão e jogou na privada!'. E não é que os filhos sempre copiam os pais?", conta, rindo.
DISCO NOVO
Em 'A Pele do Futuro', produzido por Pupillo (ex-Nação Zumbi) e dirigido por Marcus Pretto, Gal canta Hyldon pela primeira vez ('Vida Que Segue') e entram também no repertório Guilherme Arantes ('Puro Sangue', em que o próprio autor tocou teclados), uma parceria entre Silva e Omar Salomão ('Palavras no Corpo'), Nando Reis (o blues-rock 'Mãe de Todas as Vozes'), a parceria entre Erasmo Carlos e e Emicida ('Abre-Alas do Verão') e músicas novas de Djavan e Gilberto Gil ('Dentro da Lei' e 'Viagem Passageira', respectivamente). E em boa parte do novo álbum, Gal e sua turma propõem uma volta ao auge da disco music, como na abertura com 'Sublime', de Dani Black.
"O critério foi esse, de fazer um som mais próximo da dance music, da disco music, que eu sempre quis gravar. Quisemos fazer um disco alegre, um disco de amor, porque o mundo inteiro está num momento difícil. Parece que está chegando o apocalipse! E não é só no Brasil, não. É no mundo inteiro", diz Gal, bastante influenciada pelo filho, que é fã do grupo americano de soul e disco Earth, Wind And Fire. "Ele ouve muito isso. Está muito ligado a essa música dos anos 70. E eu senti que tinha uma coisa aí. E essa época da discoteca era muito legal, muito forte no Rio. Eu saía para dançar de vez em quando".
ATRIZ?
Gal, aliás, estava na trilha de um clássico nacional da era da disco: a novela 'Dancin' Days', de 1978. Entrou lá com 'Solitude', versão de um jazz de Duke Ellington feita por Augusto de Campos. Mais: fez uma ponta na novela de Gilberto Braga, como ela mesma. "Achei ótimo ter estado em 'Dancin Days'. Aliás, toda novela do Gilberto ele me convida para participar, seja atuando, cantando na trilha", conta a cantora. Que poderia ter aparecido na telinha três anos antes disso, na versão televisiva de 'Gabriela', de Jorge Amado. O diretor Daniel Filho a queria no papel-título, que acabou ficando com Sonia Braga.
"O Daniel me convidou, mas eu fiquei com medo! Falei para ele: 'Ih, Daniel, não vou conseguir fazer isso, não'", conta Gal, que ainda assim apareceu todas as noites na abertura da novela, soltando a voz em 'Modinha para Gabriela', de Dorival Caymmi. "Mas achei o convite maravilhoso e se fosse hoje eu participaria", revela.
MARÍLIA E MARIA
'A Pele do Futuro' traz o primeiro reencontro no estúdio, em cerca de 30 anos, de Gal e Maria Bethânia. É na música 'Minha Mãe'. Gal desmente que ela e a antiga amiga tenham brigado. "Já estou até acostumada com esses comentários. Entre ela, Gil, Caetano e eu, fui a última a fazer sucesso. E desde essa época dizem que nós brigamos", conta. Outra presença feminina do disco é a da sertaneja Marília Mendonça. Cantora que desafiou padrões no tropicalismo movimento que resgatou Vicente Celestino, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e outros tantos , Gal cantou 'Cuidando de Longe', da femineja, e a convidou para dividir os vocais no estúdio. A ideia partiu da própria baiana, que se recorda de, no comecinho, não ter conseguido fazer contato com Marília.
"Eu tentei contato com ela, para explicar o que eu queria, mas ela troca muito de telefone! Quando mandei mensagem, o telefone não era mais o dela. Mas o Marcus falou com o Juliano Tchula, que compõe com ela. Ela me mandou dez músicas", conta Gal, que, do feminejo, anima-se especificamente com a colega. "Ela é um diferencial. No mundo sertanejo, todo mundo canta muito parecido. Mas ela tem uma maneira muito própria de compor e de cantar. Ela é muito talentosa. E eu não tenho preconceito musical!"