A atriz Carol MarraJeff Amaral

Nascida em Belo Horizonte, Carol Marra é atriz, jornalista e coleciona trabalhos no cinema, no teatro e na TV. Descoberta nos bastidores da semana de moda do Rio de Janeiro, a artista quebrou barreiras ao longo da vida e da carreira. Ela foi a primeira modelo trans a desfilar nas principais passarelas do mundo da moda. Entre as conquistas, Carol também foi a primeira mulher transexual a posar em um editorial da revista L'Officiel e a estrelar a capa da revista Trip, a revista bateu recorde de vendas.
Apaixonada por comunicação, teve a sua estreia na televisão em 2013 em PSI, do canal HBO, série que foi indicada ao Emmy Internacional. Fez sua primeira aparição na TV em Boogie Oogie, da TV Globo e também integrou outras produções da emissora, como as novelas Brasil a Bordo e Quanto Mais Vida Melhor. Sua estreia no cinema aconteceu em 2017, ao lado da atriz Carolina Ferraz, no filme A Glória e a Graça. De lá para cá, após vários trabalhos como atriz, esse ano Carol se preparar para estrear na Netflix, na série Luz, primeira produção infanto-juvenil do streaming no Brasil.
Apesar do sucesso na carreira, a artista enfrentou vários desafios e foi uma das pioneiras em mostrar ao público o sucesso e o destaque de uma mulher trans. Temas como preconceito e desigualdade ainda são uma realidade. Mas trajetórias como a de Carol são o exemplo de força e determinação de uma mulher. Seja ela trans ou não.
Em entrevista, a artista falou sobre sua relação com a família, o período de transição de gênero e deixou um recado importante para todas as mulheres. Vamos conhecer um pouco mais sobre essa mulher que inspira outras? Confira o bate-papo completo com a Carol!
Como é sua relação com a família? Como foi sua transição de gênero?
É ótima. A base da minha formação é a minha família. Sem a boa criação que tive dos meus pais, talvez hoje eu estivesse em outro lugar, com outros pensamentos. Claro que, quando eu comecei a minha transição, e a gente está falando de 20 anos atrás, esse assunto não era tão explorado. As pessoas não sabiam o que era uma mulher trans e todo mundo tinha uma imagem estereotipada dessas pessoas. Naquela época não tinha internet, as pessoas não tinham acesso às informações. Obviamente para minha família foi muito difícil entender tudo isso e até me apoiar. O preconceito surge muito a partir da falta de informação. Foi difícil para eles, foi difícil para mim. Eles projetam um futuro para o filho e às vezes a gente não corresponde, mas cada um tem o seu caminho. Eu frustrei eles de certa forma, mas hoje eles percebem que sou uma mulher feliz, plena, realizada e acho que não tem presente melhor para um pai e uma mãe. Hoje eu afirmo, do alto dos meus quarenta e tantos anos, que eu sou eu de verdade. Me arrependo até de não ter feito a transição antes.
Sempre quis ser atriz?
Me formei em jornalismo, meu sonho era ser editora de uma revista de moda ou produtora de cinema. Mas a vida me levou para outros lados. Comecei a minha carreira como jornalista na TV Cultura, passei pela TV Globo e depois decidi abandonar o jornalismo para investir na moda. Trabalhei durante 10 anos fazendo produção de moda no RJ, e isso foi há mais de 20 anos atrás. Lembro que um dia eu fui para a Fashion Week, já vestida como Carol e um produtor me viu, enlouqueceu, me convidou para fazer um desfile. Eu nunca na minha vida tinha pensado em fazer isso. Me tornei modelo sem querer, mas abracei a profissão com maior carinho e orgulho. Naquela época não existiam tantas modelos trans, hoje existem várias meninas lindas. Não gosto do título de ter sido a primeira, mas acho que é importante falar sobre isso em um país onde não se tem memória. A partir disso, fui convidada para fazer uma participação em uma série da HBO e descobri, ali no set de filmagem, que era isso que eu queria. O sonho daquela menina que queria ser produtora de cinema passou a ser atriz.
Quais os desafios em ser uma mulher trans?
É muito desafiador ser uma mulher no Brasil, especialmente uma mulher trans, em que a expectativa de vida é de 35 anos. É o país que mais mata membros dessa comunidade. É de uma covardia, de uma brutalidade tamanha. E o desafio não é apenas você ser mulher, é ter que provar para o outro que você é mulher. Eu costumo dizer que ser mulher trans é ser mulher ao cubo, porque você tem que provar o tempo todo para as pessoas. Claro que as coisas avançaram. Atualmente qualquer menina consegue fazer a alteração do seu nome social, mas anos atrás isso não era possível, era só com a cirurgia para retificar o documento. Seis anos atrás a transsexualidade era considerada uma doença. Demoramos muito tempo para avançar e ainda temos que evoluir muito.
Um recado para todas as mulheres?
Tem um ditado que cabe perfeitamente como resposta, que é: ‘‘se conselho fosse bom a gente não dava, a gente vendia’’. Eu acho que a mulher precisa se entender, se aceitar com todos os defeitos, ser forte e assumir a sua verdade, seja ela qual for. A partir daí a gente se blinda. E quando a gente se ama, ama nossos defeitos, ama nossas qualidades, a gente não aceita migalha de ninguém e isso é transformador. Então o meu recado é esse, se entender, se amar em primeiro lugar e ser forte.