Por PALOMA SAVEDRA

Rio - Transporte escolar, confecção de doces e conserto de computadores. Os servidores estaduais estão recorrendo a essas e outras muitas atividades fora de suas áreas de formação para sobreviver. Desde o ano passado, o funcionalismo sofre com a imprevisibilidade do pagamento dos salários e o jeito é contar com a ajuda de familiares e fazer bicos.

Karin dá aulas de balé no River%2C na Piedade%2C e ainda trabalha com transporte escolar e corretagem de imóveisMarcio Mercante / AG. ODIA

São 29 anos de Theatro Municipal completados pela bailarina Karin Schlotterbeck, 48. Hoje, ainda sem o salário de abril pago, e à espera do 13º de 2016, ela tem que se lançar em diversas frentes para sustentar a casa: faz condução escolar, corretagem de imóveis e venda de tortas, além das aulas de balé que já dava antes da crise.

“Nunca passei por uma situação como essa. Ser servidor era garantia de segurança e de salário certo no fim do mês. Essa crise mostra o contrário da ideia de tantos anos”, lamentou.

Karin também criticou o pagamento em dia de algumas categorias em detrimento de outras: “O que me deixa chocada é a desigualdade, porque o governo escolhe quem vai pagar primeiro. Ele está destruindo sonhos e carreiras inteiras feitas”.

Com o dinheiro do transporte escolar, Karin ajuda a pagar a faculdade da filha. “Além disso, nos meus intervalos de tempo revendo produtos, faço tortas e brownies. Comecei a atirar para todos os lados”, relatou.

A aposentada do Proderj,Moema do Carmo, 54, trabalhou 36 anos para o estado. Desse total, passou 10 anos cedida ao Degase, onde foi coordenadora de projeto de inclusão digital dos adolescentes em conflito com a lei.

Com duas pós-graduações — uma delas em políticas públicas —, ela lamenta ter perdido a independência financeira: “Essa situação desestruturou totalmente a minha vida. Sempre fui independente, e hoje tenho que pedir dinheiro ao meu filho (de 27 anos), que me ajuda a pagar contas”.

Para garantir um dinheiro extra, ela passou a confeccionar chocolates personalizados para festas, batizados, e vendas em geral, e, inclusive, já criou marca: ‘Mô Designer de Chocolates’.

Aposentada do Proderj%2C Moema vende chocolates personalizados e quer se aprimorar ainda mais. Ela lamenta falta de dinheiro para fazer cursosMarcio Mercante / AG. ODIA

“Eu fazia esporadicamente, quando me pediam. Agora penso em viver disso, mas tenho que expandir rapidamente para poder pagar as contas. Quero fazer cursos para me aprimorar, mas não tenho dinheiro para isso”, planeja.

Quem também mudou a rotina e passou a investir em bicos foi o instrutor de microinformática da Faetec e analista de sistemas com pós-graduação em métricas pelo Inmetro, Sidney Ribeiro, 61. “Conserto computador e faço qualquer negócio que aparecer no caminho”, exclamou ele, que ressalva:

“A crise do estado não afeta só o funcionalismo, mas toda a população”, disse ele, em referência à quantidade de pedidos de trabalho que recebe. Sidney é casado e tem seis filhos — todos casados —, e demonstra também preocupação com a sua aposentadoria, já que esse grupo é pago por último pelo estado.

Além disso, o analista de sistemas faz coro com a reclamação de muitos servidores: o dinheiro pingado que entra vai todo para o banco. O estado pagou abril em três parcelas. “O salário vai todo para o banco. Pagamos uma conta todo mês, e o pouco que entra parcelado, após a data de pagamento da fatura, vai com os juros”. 

Pezão aposta no acordo fiscal

O governador Luiz Fernando Pezão vem afirmando, inclusive para os servidores, que a única saída para o Rio é a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. O plano suspende por três anos o pagamento de dívidas do estado com a União e prevê empréstimos, como o de R$ R$ 3,5 bilhões com as ações da Cedae como garantia.

Mas para fechar o acordo em Brasília, o Tesouro Nacional exige do estado a aprovação de um último projeto: o de teto de gastos dos Poderes. A condução das negociações sobre a proposta, porém, desagradou o presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB). Com isso, a votação do texto está incerta.

Por isso, conforme a coluna informou ontem, o estado aposta também em outra via para assinar a recuperação fiscal. Pezão conta com a costura política de Rodrigo Maia, que está como presidente da República em exercício até amanhã, para tentar fechar o acordo com o Ministério da Fazenda.

Enquanto isso, o governo também tenta avançar com a proposta na Assembleia Legislativa. Caso o texto seja votado, vai a plenário com alterações já negociadas entre o Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado (TCE). A nova redação trará como base para o limite de despesas dos Poderes e órgãos os dados orçamentários de 2015 e não mais os de 2016 — o que era mais temido pelo Tribunal de Justiça e MP.

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