Deputado federal Paulo Ganime afirma que anestesista preso por estupro pode ser inocentado por causa de Marcelo Freixo. A publicação foi considerada enganosaReprodução

Rio - É enganosa a publicação do deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ) em que afirma que o anestesista Giovanni Quintella, preso por estupro de vulnerável contra uma mulher que havia acabado de dar à luz em São João de Meriti, pode ser inocentado por uma alteração sugerida pelo deputado federal Marcelo Freixo (PSB) no Pacote Anticrime.
Na abertura de um vídeo publicado em suas redes sociais do dia 27 de julho, Ganime pergunta: "Você sabia que esse estuprador anestesista pode ser inocentado por causa do Freixo?". O deputado afirma que a gravação feita pela equipe de enfermagem que flagrou o crime pode não valer como prova porque não foi feita com autorização judicial. O motivo seria um dispositivo votado no âmbito do Pacote Anticrime. "A alteração proposta pelo Freixo foi de permitir a captação ambiental apenas para defender o réu", diz o texto da publicação.
Mas, a iniciativa relativa à captação ambiental, citada por Ganime, foi de outro deputado, Fábio Trad (PSD-MS), embora Marcelo Freixo tenha apoiado e o próprio relator, Capitão Augusto (PL-SP), tenha concordado e incorporado as adaptações ao relatório. Prevaleceram os votos da maioria dos deputados, inclusive do líder da bancada da Segurança Pública.
De toda forma, a alegação de que o anestesista pode ser inocentado por conta deste dispositivo não se sustenta. Segundo juristas professores de Direito Penal, o conjunto de decisões dos Tribunais Superiores (jurisprudência) determina que o vídeo seja considerado prova, tanto pelos enfermeiros representarem as figuras garantidoras contra a violência da vítima que se encontrava vulnerável, quanto por estarem presenciando o cometimento de um potencial crime, no que chamam de Justa Causa excludente da ilicitude da prova.
Além disso, o vídeo não constitui a única prova da investigação. Assim, não seria possível inocentar o réu caso a gravação fosse descartada do processo.
Consideramos enganoso, conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: A publicação enganosa afirmando que o anestesista poderia ser inocentado por causa de Freixo teve 6,6 mil curtidas nas redes do autor do vídeo até o dia 9 de agosto.
O que diz o autor da publicação: Ganime diz que pela redação literal do dispositivo, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro só poderá ser utilizada em matéria de defesa. A respeito de a gravação não ser o único meio de prova, o pré-candidato diz que trata-se de material imprescindível para o deslinde do processo. “Por isso, vale notar em nenhum momento, houve afirmação categórica de que o acusado será inocentado”, diz em nota.
Como verificamos: Verificamos a tramitação do Projeto Anticrime no Congresso Nacional. Analisamos os destaques modificativos, que alteraram a proposta de Moro, assim como os trechos vetados pelo presidente Bolsonaro e as derrubadas de vetos pelos deputados. Ouvimos advogados especialistas em Direito Penal para entender se o anestesista poderia ser inocentado por conta da legislação citada por Ganime.
Jurisprudência considera gravação como prova
O texto alterado e aprovado pelo Congresso Nacional no Pacote Anticrime, ao qual Ganime se refere, autoriza que seja possível utilizar o vídeo sem autorização judicial em caso de defesa. "A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação", diz o trecho.
O professor de Direito Penal e Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Taiguara Libano Soares e Souza, afirma que no caso de a vítima ser vulnerável, passa a ser representada por quem deveria evitar o crime, o "garantidor".
"O garantidor nesta hipótese é o profissional de saúde, os enfermeiros, que estavam nos cuidados da vítima, sob pena de responder pelo crime por omissão", ressalta.
Em outra avaliação, o jurista Daniel Raizman, que também é professor de Direito Penal na UFF, pondera que a gravação feita pela equipe de enfermagem, que culminou na prisão em flagrante do anestesista, poderia ser tratada como uma gravação ambiental clandestina, o que potencialmente, poderia tornar a prova ilícita, conforme a Lei de Interceptações Telefônicas.
Contudo, no caso concreto, o vídeo feito pelos profissionais de saúde constitui uma prova que vai ser trabalhada pelo juízo, diante da configuração do que a jurisprudência chama de "Justa Causa excludente da ilicitude da prova".
"Diante da notícia de que as enfermeiras estavam igualmente na sala de parto, presenciando um potencial crime, não acho que essa prova poderia ser invalidada. Mesmo que fosse, não significa que se conseguiria a inocência porque a prova não se limita a essa filmagem", acrescentou.
O deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), que propôs a proibição da captação sem autorização judicial, afirmou que esse dispositivo não se aplicaria ao caso do anestesista.
"A proibição que foi votada no Pacote Anticrime diz respeito ao flagrante preparado, forjado, isto é, aquele que você monta uma situação para incriminar de forma injusta, ilícita, uma pessoa inocente. Não aquela que, em curso um crime flagrante, é apenas captado pelas câmeras", disse.
Em sua decisão, o juiz Luís Gustavo Vasques que aceitou a denúncia do Ministério Público e tornou Quintella réu, destaca que a denúncia oferecida pelo Ministério Público preenche os pressupostos legais para o seu recebimento. "A esse respeito, destaco que a denúncia contém a exposição dos fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas", escreveu.
. O voto de Marcelo Freixo foi decisivo?
Na verdade, a iniciativa de alterar ou excluir as sugestões de Moro citadas por Ganime foi de outro deputado, Fábio Trad, embora Marcelo Freixo tenha apoiado e o próprio relator, Capitão Augusto, tenha incorporado a proposta ao relatório. Prevaleceram os votos da maioria dos deputados, inclusive do próprio líder da bancada da Segurança Pública, que era o relator.
O trabalho de adaptação do pacote anticrime iniciado pelo Grupo de Trabalho na Câmara, foi aprovado por uma comissão especial e pelo plenário da Casa. No Senado, também foi aprovado na Comissão de Constituição de Justiça e Plenário.
Escuta ambiental sem autorização
Quando o Pacote Anticrime foi analisado em um Grupo de Trabalho por deputados federais, diversos dispositivos foram adaptados ou excluídos antes de serem aprovados pelo Congresso Nacional.
Um dos dispositivos propostos por Moro e rejeitados pelos deputados foi o § 6º do artigo 8º-A da Lei das Interceptações. O então ministro da Justiça sugeria que “A captação ambiental de sinais ópticos em locais abertos ao público não depende de prévia autorização judicial”.
Já o § 4º do mesmo artigo foi modificado e acolhido pelos parlamentares. A redação final permite que a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público seja utilizada para defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.
Este texto, do artigo 4º foi vetado pelo presidente Bolsonaro, mas o veto foi derrubado por 313 votos a 99 na Câmara dos Deputados e por 50 votos a 6 no Senado. Freixo votou pela derrubada do veto. Ganime votou pela manutenção do veto.
A legislação do Pacote Anticrime analisada pelo Grupo de Trabalho foi aprovada pela comissão especial instalada para apreciar o pacote e, na sequência, pelo plenário da Câmara dos Deputados. Na sequência, foi ao Senado, onde foi aprovada pela Comissão de Constituição de Justiça e pelo Plenário.
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