Projeto de Lei que proíbe assédio religioso no Rio está parado desde 2021 e não prevê prisão
Vídeo enganoso de youtuber bolsonarista afirma que quem propaga o evangelho pode ser preso
Deputados realizam sessão plenária de teste na nova sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) no dia 29 de julho de 2021 - THIAGO LONTRA/ Alerj
Deputados realizam sessão plenária de teste na nova sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) no dia 29 de julho de 2021THIAGO LONTRA/ Alerj
Rio - É enganoso que um projeto de lei em votação na Alerj possa permitir a prisão de quem propaga o evangelho. Em seu vídeo, o youtuber Alberto Silva comenta e reproduz o vídeo do candidato a deputado estadual no Rio Clayton Motta (PMN). No entanto, a gravação de Clayton foi realizada em dezembro de 2021, o projeto está parado e não prevê prisão.
No vídeo que circula no WhatsApp nesta semana, Alberto pede que a população pressione deputados do Rio de Janeiro a não votarem o projeto de lei. O conteúdo traz letreiros que estimulam sua viralização: “Compartilhe por favor”, “Isso é muito sério”, “Essa lei não pode ser aprovada”e “Deus tem misericórdia de nós”.
O PL citado pelos dois é de número 4257/ 2018 do deputado Átila Nunes (PSD). Segundo Clayton, o texto passaria a punir o propagador do Evangelho. "Você que leva a palavra de Cristo, corre o risco a partir de agora, dessa aprovação, de ser preso. Colocaram o nome de assédio religioso", afirma. No entanto, o projeto, que está parado na Alerj, estabelece como assédio religioso a prática, o induzimento ou a incitação à discriminação ou preconceito.
O texto não prevê prisão para quem propagar a fé. Na verdade, o projeto afirma que indivíduos condenados por intolerância religiosa, e que sejam servidores ou agentes públicos, deverão inscrever-se e participar de curso de reciclagem e instrução sobre a temática.
É considerado enganoso conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Onde foi publicado: O vídeo verificado foi publicado na rede social TikTok em 27 de fevereiro na página “Ligados em Cristo” e em uma versão mais curta no WhatsApp. O conteúdo também foi encontrado em páginas do Facebook, no WhatsApp e no TikTok.
Alcance da publicação: No TikTok, o vídeo alcançou 1138 curtidas, 114 comentários e 1343 compartilhamentos no WhatsApp até esta sexta-feira (19).
O que diz o autor da publicação: O autor do vídeo, Alberto Silva, não retornou o contato da reportagem até a publicação deste texto.
Já Clayton Motta, que fez o vídeo comentado por Alberto, esclareceu que o vídeo foi feito em dezembro de 2021. "Estava em andamento a primeira versão do projeto de lei. Foi antes da reformulação do texto", afirmou. O candidato, no entanto, mantém ressalvas à proposta. "O risco de prisão é porque o PL não fala em reincidência. Pode criar um imbróglio jurídico", argumenta.
Como verificamos: Apuramos quem é o autor do vídeo e se o vídeo já havia sido publicado anteriormente. Fizemos buscas reversas por imagens, observamos os comentários dos vídeos e chegamos à autoria do conteúdo: o blogueiro Alberto Silva. Também localizamos Clayton Motta, citado por Alberto em seu vídeo.
Para entender o projeto de lei em questão, observamos o texto e a tramitação no site da Assembleia Legislativa do Estado do Rio. Ouvimos o autor do projeto de lei, o deputado Átila Nunes (PSD).
Autor do vídeo, Alberto Silva foi alvo de operação da PF
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Alberto Silva tem diversos canais que tratam de política e religião. Também conhecido como Beto Silva e Beto Louco, o influenciador foi alvo de operação da Polícia Federal em 2020, no inquérito que apura a organização e o financiamento de atos antidemocrático.
O blogueiro de Poço de Caldas, em Minas Gerais, ensaiou se candidatar a deputado federal por Minas Gerais pelo PTB, mas anunciou sua desistência em 4 de agosto alegando divergências com a direção local do partido.
Entre os canais de Alberto estão: Poços de Caldas, Pensa Brasil, Pensa Poços, no Facebook; e Giro de Notícias e Tocando o Céu, no Youtube.
Clayton Motta é comunicador na Zona Oeste
Já Clayton Motta, citado por Alberto no vídeo, tem uma empresa de Comunicação em Inhoaíba, na Zona Oeste do Rio e é candidato a deputado estadual pelo PMN. Em 2018, foi secretário parlamentar do deputado federal Professor Joziel e se desligou do cargo para concorrer às eleições estaduais. Clayton afirmou que não ocupa cargo eclesiástico e é membro da Igreja Batista da Família em Campo Grande, Zona Oeste do Rio.
Projeto de lei proíbe assédio religioso e não fala em prisão
O PL 4257, de autoria do deputado estadual Átila Nunes, proíbe o assédio religioso em ambientes públicos e privados no Estado do Rio de Janeiro. O texto estabelece como assédio religioso a prática, o induzimento ou a incitação à discriminação ou preconceito.
Segundo o texto, a prática do assédio religioso pode ser identificada pelos seguintes atos:
I – insultos pessoais; II – a violação da intimidade e da privacidade; III - comentários pejorativos à pessoa ou a seu credo; IV - ataques físicos, ou a símbolos de cunho religioso; V - escritos com ofensa pessoal; VI - atitudes ameaçadoras ou preconceituosas; VII - ameaças; VIII – pilhérias.
A proposta de lei garante em seu texto que não atinge a liberdade religiosa do indivíduo em ostentar símbolos e realizar práticas devocionais, sem incomodar o próximo, bem como a realização de cultos previamente autorizados pelo gestor do órgão público ou pelo proprietário do estabelecimento privado.
O texto prevê que indivíduos condenados por razão de intolerância religiosa, e que sejam servidores ou agentes públicos, deverão inscrever-se e participar de curso de reciclagem e instrução sobre a temática, a ser organizado e promovido pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos. (SEDHMI). Não há referências à prisão.
Projeto parado desde 2021
Alvo de críticas por parte de setores evangélicos, o projeto foi aprovado em primeira discussão na Alerj e voltou para pauta em segunda discussão em dezembro de 2021. O texto recebeu cem emendas e retornou para a Comissão de Constituição e Justiça, onde está parado. Não há previsão para que o texto seja votado.
O autor do Projeto de Lei, deputado Átila Nunes, classificou a circulação do vídeo nesta semana como “fake news em carona eleitoral”. “Como chegou o período eleitoral, todos querem tirar uma casquinha, distorcendo o projeto. Eu jamais aceitaria que proibissem a prática da minha ou de qualquer outra fé”, afirmou.
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