ADPF 635 propõe que o Estado do Rio elabore e encaminhe ao STF um plano visando à redução da letalidade policial Reginaldo Pimenta/Agência O DIA

Rio - É enganosa a afirmação que circula em redes sociais e discursos políticos de que a ADPF 635, apelidada de ADPF das favelas, proteja bandidos e impeça o trabalho da polícia. A narrativa vem sendo usada para atacar os candidatos do PSB nas eleições do Rio. Os deputados federais Alessandro Molon, que concorre ao Senado, e Marcelo Freixo, ao governo, são do partido.

O coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da UFF, Daniel Hirata, ressalta que a ação é fruto de movimentos de organização civil e classifica como falácia a afirmação de que medidas de controle impeçam o trabalho da polícia.

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635 foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) . O texto propõe que o Estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança.

A ADPF 635 aborda os seguintes temas: fim do uso dos blindados aéreos em operações policiais, proteção à comunidade escolar, garantia do direito à participação e ao controle social nas políticas de segurança pública, acesso à justiça e construção de perícias e de provas.

Em junho de 2020, o ministro relator da ADPF, Edson Fachin, concedeu uma liminar restringindo as operações policiais em favelas a casos excepcionais durante a pandemia de covid-19. A decisão foi confirmada pelo plenário do Supremo em agosto daquele ano.

O coordenador do Geni, Daniel Hirata, lembra que a restrição de operações policiais em favelas a casos excepcionais durante a pandemia não constava nos pedidos iniciais da ADPF. "Quando essa decisão ocorre, havia aumento das operações e letalidade no bojo do início da pandemia. Muitas vezes, atrapalhavam serviços de ajuda humanitária, de entregas de kits da covid", pontua.

Redução de operações não aumentou criminalidade

O grupo da UFF aferiu que após a decisão liminar do ministro Edson Fachin houve quatro meses de relativo cumprimento da decisão e queda na letalidade policial. "Este momento resultou numa redução de mais 60% das operações e da letalidade, sem que houvesse aumento dos crimes contra o patrimônio ou contra a vida", conta o professor Hirata. Na verdade, também houve redução desses índices.

O relatório do Geni aponta que no ano de 2020 houve 320 operações, a média histórica de 2007 a 2020 é de 808. O número de feridos em operações naquele ano diminuiu 60% e o de mortos em operações, 61% em relação a 2019. Houve uma queda de 39% nos crimes contra o patrimônio e 24% nos crimes contra a vida. Ou seja, a queda do número de operações policiais realizadas não resultou em aumento das ocorrências criminais, contatou-se sua diminuição.

"Essa é a maior prova de que o respeito aos Direitos Humanos não se opõe ao controle do crime organizado. Violência policial não reduz crimes comuns ou crime organizado", afirma. A alegação de que a ADPF protege bandidos é considerada espúria pelo especialista. "A atuação dentro dos limites legais é o meio mais eficiente de trabalho", resume.

O defensor público do Rio Daniel Lozoya afirma que a narrativa contra a ADPF tem como objetivo se opor ao controle da polícia. "Essa é uma narrativa que tenta tornar a polícia imune a quaisquer controles legais e judiciais. A ADPF, entre outras medidas, sugere a elaboração de redução de letalidade", diz o defensor.

A ação propõe uma série de medidas para reduzir riscos de mortes durante operações policiais como, proteção do perímetro escolar e de unidades de saúde, presença de ambulância e preservação de eventuais corpos para perícia. "De que maneira essas medidas em operações, que mobilizam policiais e helicópteros, atrapalhariam o trabalho policial?", questiona Hirata.

Comunicação ao MP

A polícia responsável pela operação deve comunicar e justificar a excepcionalidade da operação ao Ministério Público em até 24 horas. Em seguida, é enviado um relatório de término. O MP é o órgão responsável por fazer o controle externo das polícias.

"Controle externo nunca pode ser visto como impeditivo da atividade policial. De maneira nenhuma a lei deve ser vista como impeditivo. Nos limites da legalidade, a atividade é sempre melhor, a prestação de contas favorece a excelência. Já o cheque em branco favorece a corrupção e a brutalidade", reforçou o coordenador do Grupo Geni, Daniel Hirata.

O defensor público Daniel Lozoya também refuta que controle externo restrinja o trabalho da polícia. "A ideia de que restringe a atuação de polícia é mentira. O que impõe é alguma forma de controle, de redução da letalidade policial, que não tem eficácia contra o crime", frisa.

Descumprimento da liminar

O Geni identificou que após os quatro primeiros meses de cumprimento da decisão, houve crescimento do descumprimento até superar o número de operações anteriores à ADPF. Lozoya também ressalta que as operações acontecem no Rio à revelia da decisão do STF.
"Não é verdadeiro que a polícia esteja impedida de agir. Tanto que realiza diversas operações. Até demais. No dicionário, incursão significa penetração súbita no território inimigo, que é a forma predominante das forças policiais e tem forte relação com a letalidade policial", pontua o defensor público.

Iniciativa vem de movimentos sociais

Ainda que tenha como autor o PSB, a ADPF 635 é uma ação movida por familiares de vítimas de letalidade policial e movimentos de favela que visam a construção de uma política de estado. "A ADPF das favelas é muito mais da sociedade civil do que partidos políticos", ressalta Hirata.

A reportagem pediu entrevista com os secretários da Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, e da Polícia Civil do Rio, Fernando Antônio Paes de Andrade Albuquerque. Foi questionado se na avaliação dos secretários a ADPF 635 atrapalha o trabalho policial. A PM não retornou. A Civil afirmou que por falta de tempo, responderia por nota, mas o texto não foi enviado.

Governo do Rio entrega plano de redução da letalidade

Foi determinado que o governo enviasse um plano de redução da letalidade policial. O relator Edson Fachin determinou que órgãos públicos e sociedade civil fossem ouvidos na produção deste documento. O Governo do Estado recebeu sugestões das instituições como Defensoria Pública, Ministério Público e OAB. O documento com os ajustes foi entregue pelo Governo do Estado do Rio ao STF em 3 de agosto.

"A Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ) já entregou ao STF tanto as propostas feitas pela sociedade civil em audiência pública quanto os questionamentos feitos com relação à distribuição de Câmeras nos uniformes das polícias, para complementar o Plano Estadual de Redução da Letalidade em Decorrência de Intervenção Policial entregue pelo Estado ao STF. Todas as informações já foram incluídas no processo que tem como relator o ministro Edson Fachin", informou a PGE.
Consideramos enganoso, conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
O DIA checa conteúdos suspeitos de desinformação no âmbito das Eleições Estaduais no Rio de Janeiro. Envie conteúdo suspeito para o nosso WhatsApp (21) 98762-8248.