A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou nesta sexta-feira, 16, partidos políticos que usam candidaturas laranja para driblar a cota de gênero.
Em uma tentativa de ampliar a participação feminina, a legislação definiu a reserva de um mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada gênero.
"Eu agora me me vejo uma juíza brasileira, 200 anos depois [da Independência], lutando paraque os partidos políticos não fraudem os registros de atos partidários e garantam a cota que é de gênero, mas que nós sabemos que é para as mulheres", desabafou a ministra.
Carmen Lúcia se tornou uma das principais porta-vozes da igualdade de gênero no Judiciário. Ela foi a segunda mulher a assumir uma cadeira no STF e presidiu o tribunal entre 2016 e 2018. Recentemente, reagiu a seguidas interrupções de colegas homens em uma sessão de julgamentos no plenário.
A ministra participou mais cedo de um evento organizado pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e falou também sobre o machismo como uma das causas de violência contra a mulher.
"Nós achamos que, quando conseguimos que os direitos fundamentais fossem restabelecidos na década de 1980, todo mundo acreditava mesmo que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos da Constituição e isso será respeitado. Está aí o número de feminicídios com que todos os dias nós somos estapeados para mostrar que nem todo mundo acredita nisso", destacou.
Ela falou ainda que meninas e mulheres continuam sendo invisibilizadas no "cumprimento de suas vocações".
"Duzentos anos depois, o Brasil nem perguntou se havia mulheres lutando pela Independência brasileira. Elas estavam lá. Estavam lá Maria Quitéria, Felipa, Dona Hipólita, a baianinha de dez anos escrevendo cartas para a coroa portuguesa e lutando para que tivesse liberdade e para que as mulheres tivessem o direito a estudar e a se educar", disse. "Algumas coisas transformaram-se em vinte anos e outras não mudaram em duzentos "
Cármen Lúcia fez uma apresentação sobre a relação entre a Constituição Federal e o Código Civil, que completa duas décadas em 2022. Ela defendeu que a igualdade de gênero é um dos temas que ainda precisam ser "transformados na interpretação das normas brasileiras".
A ministra também disse que o STF vem tentando manter o Código Civil atualizado, "nem passando a frente de um tempo, porque é a sociedade que vai dar o sentido de Justiça em cada tempo, nem impedindo que a sociedade cultive novos direitos".
"Quando dizem, e repetem tanto isso como quase um jargão, que o código já nasceu velho porque ele vem depois da Constituição de 1988, eu não acho que os códigos envelheçam se a jurisprudência conseguir fazer com que eles cada vez mais se rejuvenesçam no sentido de atualizar. O pensamento de uma sociedade muda, o Direito tem que ser o que a sociedade pensa e o que ela quer que seja aplicado como a sua ideia de Justiça", defendeu.
Um dos exemplos usados pela ministra foi o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. O julgamento histórico aconteceu em 2011.
"O Supremo conseguiu reinterpretar normas segundo um caldo histórico que foi transformador. Todo mundo tem o direito na sua condição livre de ser humano de viver a orientação sexual que se quer", comentou. "A dignidade humana está no respeito ao ser humano integral, o ser humano integral é a sua liberdade na extensão mais plena, portanto nós não podemos desconsiderar que uniões afetivas e identidade de gênero não sejam também espaços de liberdade."
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