Naquele triste 1 de maio de 1994, na curva Tamburello do circuito de Ímola, a Fórmula 1 perdia um de seus grandes nomes, e o Brasil ficava sem seu ídolo - ou herói para muitos. A perda de Ayrton Senna foi um grande baque, como pôde-se ver quando milhares de pessoas foram às ruas de São Paulo para acompanhar o cortejo antes do velório, em 5 de maio. E para o automobilismo brasileiro foi ainda mais duro perder o piloto e suas 41 vitórias, 65 poles, 80 pódios e três títulos.
Desde a morte de Senna, o Brasil viu sua relevância na Fórmula 1 reduzir-se ano após ano: primeiro como coadjuvante até não ter mais piloto no grid desde 2016. Foram 554 corridas desde aquele trágico GP de San Marino, com 16 brasileiros nas pistas que conseguiram 22 vitórias, 30 poles e 110 pódios, além de dois vices-campeonatos, quase tudo com Rubens Barrichello e Felipe Massa.
Num país cujo esporte mais popular é vencer, não foi fácil seguir acompanhando a Fórmula 1. Ainda mais porque o tricampeão fazia questão de dividir suas conquistas com os brasileiros porque, dizia, queria vê-los felizes. Foi assim que surgiu uma de suas marcas registradas, ao carregar a bandeira do país na volta da vitória, ideia que teve um dia após a eliminação da seleção brasileira para a França na Copa do Mundo de 1986, no GP dos EUA, em Detroit.
"Ayrton usava aquele talento que ele tinha para também fazer um trabalho social com o Brasil. Era uma referência de alegria, de um sentimento. Quantas pessoas no Brasil não sabiam exatamente o que é o gosto da vitória no seu dia a dia? O sabor de algo que te dá orgulho. Ele apareceu e se tornou esse cara que levava a bandeira do Brasil para o pódio", avalia o ex-piloto de Fórmula 1 e comentarista da Globo, Luciano Burti.
O domingo era um dia de alegria para um povo que saía de uma ditadura, e passava por período de crise econômica com a inflação nas alturas e, até mesmo, um processo de impeachment em 1992. No futebol, a seleção acumulava derrotas importantes. E foi nesse contexto que Ayrton Senna moldou sua idolatria além do arrojo nas pistas.
Diante desse cenário, era difícil um jovem no automobilismo não ter o tricampeão pela McLarencomo referência naquela época. Foi o caso de Felipe Giaffone, que fez sua carreira no automobilismo longe da Fórmula 1, na Indy e Fórmula Truck.
"Você imagina que eu estava saindo do kart para o meu primeiro ano em carro. Então, a referência era ele, tinha tudo a ver com a minha idade. Emerson (Fittipaldi) era mais velho, (Nelson) Piquet eu peguei uma parte, mas era a época quando Senna ganhava tudo. Ele era o cara que eu me espelhava para tentar um dia, sei lá, de alguma forma... Era extremamente rápido, agressivo, tinha um jeito muito arrojado, um estilo diferente", recorda o hoje comentarista de automobilismo na Band.
A pressão sobre Rubinho e outros pilotos
Ao mesmo tempo, toda essa grandiosidade viria a se tornar um problema para os novos pilotos brasileiros. A exigência por manter o alto nível na Fórmula 1 foi desproporcional para quem já estava ou veio nos anos seguintes a 1994. É quase uma unanimidade que Barrichello foi quem mais sofreu com a enorme pressão de substituir o "chefe", como gostava de chamar Senna.
"Quem levou a pressão praticamente toda foi Rubinho. Era um cara supertalentoso, mas estava na Jordan. A expectativa inconsciente de que ele fosse o novo Senna era incompatível. Ele foi muito prejudicado. Houve erro também da parte dele e de sua equipe pessoal, assim como da mídia", avalia Burti, que chegou à Fórmula 1 em 2000 e também sentiu a pressão dos brasileiros.
"Quando eu estava lá, apesar de ter aprendido um pouco do que houve com Rubinho, tinha pressão. Era uma cobrança esquisita, um julgamento muito rápido. Isso atrapalhava, porque não davam tempo a quem chegava".
Declarações de Rubinho à época, dando a entender que poderia assumir o que Senna fazia pelo país, contribuíram para aumentar a responsabilidade de um jovem piloto em um carro de equipe média (Jordan). Sem os resultados, virou chacota de muita gente e tratado como lento. Mas é o piloto brasileiro com melhores resultados desde então, ao lado de Massa, ambos com 11 vitórias.
"O Brasil vinha de Emerson, Piquet, Senna, todos ganhando e, de repente, teria que começar do zero. O povo queria uma resposta rápida e achava que era normal o brasileiro estar vencendo. A bucha maior ficou nos ombros do Christian, que acabou saindo, e do Rubinho, que ficou com todo o peso. Começou uma frustração, que é quando acho que pegaram pesado", diz Giaffone.
Resultados muito modestos
Rubinho só viria vencer pela primeira vez em 2000 - quase sete anos após a última de Senna, na Austrália em 1993. Também foi o último brasileiro a subir no lugar mais alto do pódio em 13 de setembro de 2009, no GP da Itália.
Além dele e de Massa, apenas Nelsinho Piquet foi ao pódio (terceiro lugar) ao longo dos anos. O nome Senna chegou até a voltar à F-1, mas Bruno, sobrinho do tricampeão, correu em carros do fim do grid entre 2010 e 2012. Até que o Brasil ficou sem pilotos e passou a torcer pelo inglês Lewis Hamilton, que é fã declarado de Ayrton e se tornou cidadão honorário do país.
Desde 2016, com Felipe Nasr, o Brasil não tem um representante na pista. Mas a última vez em que um brasileiro disputou GP foi em 2020, com Pietro Fittipaldi, que é piloto reserva da Haas e correu as duas últimas provas no lugar Romain Grosjean, que sofreu grave acidente.
Desempenho do Brasil na F-1 depois de Senna
- 22 vitórias (11 de Felipe Massa e 11 de Rubens Barrichello); - 30 poles (16 de Massa e 14 de Barrichello); - 110 pódios (68 com Rubinho, 41 com Massa e 1 com Nelsinho Piquet); - Brasil teve três vices, com Barrichello (2002 e 2004 com a Ferrari) e Massa (2008 com a Ferrari)
Lista de brasileiros na Fórmula 1 desde 1994
- Rubens Barrichello - 19 temporadas (1993 a 2011) - 326 GPs (322 largadas) - 11 vitórias, 14 poles e 68 pódios
- Felipe Massa - 15 temporadas (2002 a 2017) - 272 GPs (269 largadas) - 11 vitórias, 16 poles e 41 pódios;
- Christian Fittipaldi - 3 temporadas (1992 a 1994) - 46 Gps (40 largadas)
- Pedro Paulo Diniz - 6 temporadas (1995 a 2000) - 99 GPs (98 largadas);
- Ricardo Rosset - 2 temporadas (1996 e 1998) - 33 GPs (26 largadas)*; *Em 1997, disputou apenas o treino classificatório para o GP da Austrália. Sem conseguir tempo, não correu e, logo depois, a equipe Lola deixou a F-1
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