Vaticano investiga um assessor do Papa João Paulo II por acobertar abusos infantisAFP
Nesta sala, preparada para a ocasião, é julgado o cardeal italiano Angelo Becciu, que ocupou o cargo de Substituto da Secretária de Estado entre 2011 e 2018, um dos cargos mais poderosos da Cúria Romana.
Na primeira sessão do julgamento, o juiz anti-máfia italiano Giuseppe Pignatone, presidente da sala, aceitou o pedido da defesa de mais tempo e adiou a próxima sessão para 5 de outubro. No fim da primeira audiência, o cardeal Becciu informou, por meio de um comunicado, que esperava com "serenidade o julgamento, para comprovar sua inocência".
Este tribunal tem a tarefa de determinar se a Santa Sé foi vítima de fraude por parte de um grupo de empresários inescrupulosos, ou se se tratou, na verdade, de um sistema de corrupção interna envolvendo importantes líderes da Igreja.
Se considerados culpados, os réus poderão enfrentar vários anos de prisão por fraude, malversação de recursos, extorsão, lavagem de dinheiro e abuso de poder. Este escândalo inclui ainda cumplicidade com espionagem e com paraísos fiscais, tendo criado um rombo de milhões de euros nas contas do Vaticano.
Entre os dez acusados, metade estava a serviço do papa Francisco durante a polêmica compra, realizada em duas etapas, de um luxuoso edifício de 17.000 m2 no elegante bairro londrino de Chelsea.
Em 2013-2014, a Secretaria de Estado tomou um empréstimo de mais de US$ 200 milhões (a maioria do banco Crédit Suisse) para investir no fundo luxemburguês "Athena", do empresário ítalo-suíço residente em Londres Raffaele Mincione.
O dinheiro foi emprestado, graças à reconhecida solvência do Vaticano. Metade da quantia foi destinada à compra de 45% do já citado prédio em Londres, e a outra metade, para investimentos em Bolsa.
Mincione usou o dinheiro da Igreja para "operações especulativas", que incluíram a compra de bancos italianos com problemas financeiros, relata a Promotoria.
A Santa Sé, que acabou registrando perdas na Bolsa, não tinha capacidade para controlar estes investimentos. Diante disso, decidiu, somente quatro anos depois, no final de 2018, pôr fim a esta parceria.
Para isso, a Santa Sé escolheu como novo intermediário Gianluigi Torzi. Ele negociou a saída de Raffaele Mincione, indenizando-o com 40 milhões de libras esterlinas (US$ 55 milhões) e modificando o acordo financeiro para que o Vaticano finalmente se tornasse o único proprietário do edifício.
Torzi assumiu, por sua vez, o controle da propriedade (por meio de ações com direito a voto) e, em seguida, extorquiu a Secretaria de Estado para obter 15 milhões de euros (quase US$ 18 milhões no câmbio atual) por sua saída, conforme o texto da acusação do tribunal.
Os magistrados também identificaram as duas figuras-chave que ajudaram Mincione e Torzi a entrarem nas redes do Vaticano, em troca de dinheiro.
Um deles é Enrico Crasso, um conhecido empresário de nacionalidade suíça, que durante décadas administrou os cofresda Secretaria de Estado.
O outro é Fabrizio Tirabassi, um importante funcionário laico da Secretaria de Estado, encarregado dos investimentos. Ele também recebia comissões dos bancos por suas intervenções e era considerado o braço direito do cardeal Becciu.
Em declaração antes da abertura do julgamento, a Santa Sé reconheceu que essa compra "gerou perdas substanciais para as finanças do Vaticano, e foram usados, inclusive, recursos destinados às obras de caridade pessoais do Santo Padre".
Este caso representa um enorme desafio para o papa Franciscol. Além de revelar o descontrole das finanças vaticanas, motivo pelo qual ele teve de iniciar uma reforma interna, traz à nota os privilégios de várias entidades da igreja.
Crítico ferrenho da corrupção, o sumo pontífice denuncia incessantemente a especulação financeira mundial desde sua eleição, há oito anos.
Também contribuiu para o escândalo o uso "imprudente" de parte do dinheiro doado, a cada ano, pelas igrejas do mundo todo para as obras de caridade do papa.
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