Benny conheceu a política fazendo faculdade de jornalismo e chegou a organizar uma manifestação com mais de 400 alunos contra o aumento das mensalidades - Imagem Assessoria
Benny conheceu a política fazendo faculdade de jornalismo e chegou a organizar uma manifestação com mais de 400 alunos contra o aumento das mensalidadesImagem Assessoria
Por Luciana Guimarães
Niterói - Ela fez história em Niterói numa eleição que por si só já deixará marcas profundas e, espera-se, muito aprendizado.

Brasil afora, ao menos 16 pessoas trans, sendo 12 delas mulheres, foram eleitas para as câmaras municipais. Os dados, atualizados na manhã desta segunda-feira,16, são Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e representam um aumento de 87,5% em relação às eleições de 2016.
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Por aqui, pela primeira vez na história política da cidade, foi eleita para o cargo do legislativo municipal uma travesti. E com expressividade: Benny Briolly, do Psol, foi nada menos que a quinta vereadora mais votada.
Benny Briolly, estudante de jornalismo e filha de uma cabeleleira e um porteiro, cresceu no Fonseca, em 1991, mas hoje mora no Morro da Penha, na Ponta D'Areia.
Teve em casa a sorte de encontrar nos pais e irmãos todo o apoio e suporte para ser quem bem desejasse.
É uma mulher preta, travesti, de axé, de favela e militante de direitos humanos.
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Vem desbravando territórios faz tempo: foi a primeira assessora trans na Câmara de Vereadores de Niterói e estava como assessora parlamentar da mandata da deputada federal Talíria Petrone (PSOL RJ).

Do PSOL, foi fundadora e integra também o movimento Orgulho e Luta Trans (OLT), que pensa políticas para a população trans e em zona de prostituição em Niterói e São Gonçalo. Durante a pandemia, focou em diversas ações solidárias com as travestis.
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Conhece bem a batalha que vai comprar: em outubro, esteve na delegacia de Niterói e registrou uma ocorrência após ser ameaçada de morte e sofrer ataques de ódio pelas redes sociais. Mas ela não se intimidou e a partir deste episódio, enfatizou ainda mais sua energia na campanha, e mesmo concorrendo pela primeira vez, arrebanhou os votos de 4.367 pessoas.

A ativista esteve presente na manifestação do movimento Vidas Negras Importam. Benny também participou do protesto de 2018, que ocorreu em razão da morte da vereadora Marielle Franco, assassinada em março daquele ano.

A agora então vereadora conversou com O DIA e falou sobre sua trajetória e anseios.
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Conta um pouco quem é a Benny pela Benny?
Uma travesti que sonha em transformar radicalmente o mundo em que a gente vive. Sonho com um mundo de liberdade.


Sua vitória foi das mais bonitas do legislativo municipal. Dedica ela a alguém? Há alguém em quem se espelhe?
A vitória foi de um projeto político necessário, ainda mais em uma cidade tão conservadora como Niterói. Mas esse projeto não começou hoje, se iniciou na campanha de Taliria Petrone em 2016. Uma campanha ousada por uma Niterói negra feminista LGBT e popular que foi o mandato mais votado da cidade naquele ano. Após o assassinato da Mari e a difícil decisão de Taliria ir para a Câmara Federal, eu continuei as lutas em Niterói como um legado porque sabemos da importância da política municipal.

O que te fez enveredar na política que, hoje em dia, está tão desacreditada pelos brasileiros?
Comecei a me mobilizar na política contra o aumento das mensalidades na faculdade que eu estudava, Anhanguera. A necessidade é o que pauta a vida das pessoas como eu. Transformar a política é uma necessidade para um corpo como o meu. Ou ocupamos os espaços de poder ou vamos sempre aceitar sermos exploradas e dirigidas por uma política que não nos representa.

Durante a campanha, como foi lidar com os ataques pessoais e xingamentos? Pensou em desistir?
Nunca pensei em desistir. Porque sei que é isso que querem, que a gente recue. A gente não pensou em desistir nem com o assassinato de Marielle, que matou muitas de nós por dentro. Mas certamente esses foram os momentos de maior insegurança. A gente quer tá viva pra fazer política, precisamos gritar aos quatro ventos que nossa vida e nossa luta são importantes.

Qual era o seu sonho de infância?
Sempre sonhei em melhorar a vida da minha família. Achava que podia trabalhar bastante pra isso acontecer. Minha avó era passadeira, minha mãe trabalhava em salão, meu sonho era ter uma profissão melhor.
A Niterói que habita seu imaginário perfeito, como seria?
Uma Niterói livre das desigualdades. Onde a distribuição da riqueza fosse justa, onde não tivesse gente sem casa, com esgoto a céu aberto, com encosta caindo. Com uma rede de educação básica ampliada, integral e com creches noturnas para as mulheres poderem trabalhar e deixar seus filhos em segurança. Uma assistência social que ajudasse acolhesse de verdade dando instrumentos e condições para se libertar das violências e ter autonomia. E uma segurança pública que não fosse racista e respeitasse os direitos humanos.

Como você pretende fazer a diferença na câmara?
Temos prioridade. Dizemos com todas as letras durante toda a campanha: há quem vive muito bem e quem não consegue sobreviver na nossa cidade. Estamos dizendo: vamos trabalhar para aqueles que não conseguem. Essa é a diferença. Temos prioridade, queremos legislar com o povo e para o povo. Nosso povo preto, favelado, mulheres trabalhadoras e as LGBTIA+

Mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, o pleito de 2020 teve um recorde no número de candidatos que se declaram como LGBTs, além de um aumento de candidaturas de aliados à causa. Por que você acha que isso aconteceu?
Acho que temos mais coragem, especialmente para enfrentar uma conjuntura que nos atinge diretamente que é o Bolsonarismo e sua LGBTfobia entranhada. A gente precisa sair dos armários e conquistar o poder para mostrar que somos muitas e seremos mais para incomodar.

Você acredita que o Brasil está realmente traçando um caminho para ter mais representação na política?
Acho que é um caminho longo. Mas que está sendo trilhado. A decisão do STF sobre a divisão proporcional das candidaturas negras é um passo extremamente importante, por exemplo. Temos que corrigir as desigualdades na estrutura, não só no discurso. E nós, mulheres e homens negros precisamos ter o compromisso de formar mais de nós e impulsionar os nossos. Estamos nos fortalecendo porque sabemos que é uma briga. Uma guerra.

O que você pretende deixar de legado após esses 4 anos?
Uma cidade que os movimentos sociais estejam munidos de espaço, voz e vez na Câmara Municipal, que sejamos parceiros para lutar lado a lado dentro e fora da institucionalidade. Queremos dar visibilidade para as nossas favelas, queremos que as LGBTIA+ tenham poder de decisão, que negras e negros estejam no poder e que a mulherada tenha condições de se inserir na política formal. Esse é o maior legado, fortalecer esse trabalho que já é feito no nosso dia a dia nas favelas e fazer esse trabalho ter visibilidade nas instâncias de poder.