Por helio.almeida

Rio - O carnaval está com menos cores e brilhos. Morreu na manhã deste domingo o carnavalesco Fernando Pamplona, aos 87 anos, em sua casa, na presença da família. Considerado o criador do carnaval comtemporâneo, Pamplona recebeu, há um mês, o diagnóstico de um câncer raro. Ele estava internado e recebeu alta do Hospital São Lucas, em Copacabana, na Zona Sul.

O corpo do carnavalesco será velado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, às 16h. Considerado um dos maiores carnavalescos de todos os tempos, o artista fez história no Salgueiro na década de 60. A partir dos anos 80, iniciou uma vitoriosa trajetória como comentarista de desfiles de escolas de samba.






À frente da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro ele levou para os desfiles as temáticas afro. Logo no primeiro ano, em 1960, foi campeão com o enredo Quilombo dos Palmares. Pamplona também conquistou o campeonato pela escola em 1965, 1969 e 1971.

A ligação de Rosa Magalhães com o carnavalesco começou na Escola de Belas Artes do Rio, onde Pamplona foi professor dela, e depois continuou quando trabalharam junto no Salgueiro. “Quando comecei a trabalhar com ele eu não sabia nem o que era carnaval. Parti do zero. A forma dele se comportar, de ter uma dignidade muito grande, de apoiar as outras pessoas.. Ele foi meu professor e meu muito bom amigo”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Crítico do Carnaval atual, ele sonhava com a volta dos sambas que fizeram história. Apesar de não assistir aos desfiles há seis anos, elogiava o carnavalesco Paulo Barros, da Unidos da Tijuca, considerado pelo mestre o melhor desde Joãosinho Trinta.

Em janeiro deste ano, Pamplona concedeu entrevista a O DIA próximo de lançar o livro ‘O Encarnado e o Branco’, onde relata sua história dentro da Festa de Momo e do Salgueiro, escola do seu coração. Confira a entrevista do polêmico, boêmio e falastrão carnavalesco.

O DIA: O que te motivou a fazer um livro autobiográfico?

Pamplona: Na verdade, não é autobiográfico. Se eu fizesse uma autobiografia, seria preso. Noventa por cento seria censurado (risos). É um livro de histórias, pô. O que velho sabe fazer? Contar história. Se não tiver Alzheimer (risos). Como eu ainda não tenho, decidi contar as minhas. Até porque minha memória é melhor do que a de muita gente. Por exemplo: bebo no Cabanas há muitos anos. E lá agora há uma placa dizendo "desde 1952". Ora, eu bebo lá desde 1942, porra.

São muitas histórias?
Muitas. Sou vagabundo, né? Gosto de corriola, de botequim. Eu tô aí. Os CDFs se perderam, ninguém ouve falar deles. Mas os vagabundos estão sempre aí.

E o espírito contestador, mais vivo do que nunca. Certo?
Sempre. Ninguém perde isso.

A UNE (União Nacional dos Estudantes), um dos lugares onde você militou, perdeu (risos).
Lamentável. A UNE não existe mais. Virou braço político do governo. Triste de ser ver. Uma vergonha.

Mas vamos falar de Carnaval, que é seu carro-chefe. Como e quando surgiu essa paixão?
Sempre fui um amante da cultura popular. Em 1935, quando voltei ao Rio após uma temporada no Acre, ia aos bailes no Botafogo ou a bailes populares. Nunca tive super heróis. O mestre-sala e a porta-bandeira foram meus príncipes e princesas.

E quando você passou, de fato, a participar do Carnaval como protagonista da festa?
Em 1959, eu era professor da Escola Nacional de Belas Artes e fui convidado para ser jurado do Carnaval. Eu torcia pelo Império Serrano, mas por ter sido da UNE, me simpatizada com a Mocidade Independente, pelo nome da escola, que é sensacional. Só que quando vi o Salgueiro entrando na avenida, de vermelho e branco, falando sobre Debret, virei salgueirense na hora.

Por causa do vermelho ou do Debret? E como você se define politicamente?
Por causa de Debret. A escola falou de um artista em vez de falar de general, como era hábito no Carnaval. Tudo enredo DIPiano, autorizado pelo governo (nota da redação: DIP é o extinto Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão censor das manifestações culturais criado por Getúlio Vargas). Hoje, sou agnóstico. Politicamente e religiosamente (risos).

E como foi aquele Carnaval?
Foi fantástico. Lembro que dei nota 8 para o Salgueiro, 6 para a Portela, para o restante dei 5 e 4. Mas o desfile da Portela foi arrebatador e eu aumentei a nota deles para 7. E ganharam por 1 ponto (risos). A partir dali, entrei de vez no Carnaval.

E no ano seguinte, já foi campeão com enredo sobre Zumbi dos Palmares.
Foi, mas o Natal, da Portela, que tinha uma força danada, não descontou os pontos que deveriam ser descontados. Assim, acabaram declarados campeões também a Portela, a Mangueira, o Império e a Unidos da Capela. Ficou todo mundo feliz, claro. Menos nós, que havíamos ganhado sozinhos.

Dali em diante, o Salgueiro passou a falar sobre Aleijadinho, Xica da Silva. O revolucionário Pamplona mudou o Carnaval?
Nada. O grande revolucionário foi Nelson Andrade, o diretor de Carnaval do Salgueiro. E não havia um filha de puta de vermelho no enterro dele. Pode uma porra dessas? Nelson tinha muito dinheiro, mas não era bicheiro, era peixeiro. Pensava à frente de todo mundo, como o Calça Larga, o Juju das Candongas, lá da Mangueira. Eles pensavam em artistas como enredos, e não aquela patriotada besta.

Fernando Pamplona é considerado um dos maiores carnavalescos de todos os temposAndré Luiz Mello / Agência O Dia

E o seu papel nessa história toda?
Eu era muito ligado à cultura negra, desde o Cristo Negro, concurso realizado pelo Abdias Nascimento que provocou uma reação danada da Igreja. Mas os negros não gostavam de se vestir de negros. Negro gostava de sair com chapéu de Napoleão para tirar onda após o desfile na Praça Saens Peña ou em Madureira. Pode isso? (risos). Acho que minha contribuição foi essa.

Como você avalia os carnavalescos de hoje?
Não sei. Há seis anos que não vejo Carnaval. Vou para Corrêas, na Região Serrana.

Foi onde nasci. Meus pais moram lá até hoje.

Então vai para lá no Carnaval e bebe uma comigo. Tá convidado (risos).

Olha que eu vou, hein. Bem, mas voltemos. Então você não conhece o Paulo Barros, o novo queridinho do Carnaval?

Conheço. Eu vejo, leio, acompanho. Depois do João Trinta, foi o que mais criou algo diferente. Tem uma coisa que eu gostaria que você não colocasse, pois quem for ler pode pensar que eu estou querendo aparecer e não foi o caso. Longe disso. Mas eu saí de um debate na TVE com o Paulo Barros, há alguns anos, e disse a ele: "Você precisa olhar para a sua escola de samba. As coisas que você faz são ótimas. Para você pegar e levar para uma Bienal em São Paulo. Não para o Carnaval. Olhe para a sua escola. Quando ele passou a olhar, começou a ganhar (risos). Mas não coloca isso, não. O talento é todo dele, que é ótimo. Não foi por minha causa.

Ah, deixa eu publicar essa história, que também é ótima e precisa ser contada.
Hummmm, tá bem. Mas olha lá, hein. O Paulo é ótimo. O resto é tudo técnico de futebol, sem identificação com a escola.

Sem exceções? Nem o Laíla, na Beija-Flor?
Ah, sim. Tem o Laíla, que é identificado com a escola, que aglomera, bota ordem na casa e é ótimo. Temos a Rosa (Magalhães) e o Renatinho (Lage), mas é só.

E como você vê o Carnaval atual, cheio de enredos patrocinados, mesmo não assistindo aos desfiles?
Acho uma merda, mas o bom carnavalesco dá um jeito. Pior são os sambas atuais. Isso que acabou com o Carnaval. Não existe mais o samba de quadra, que inspirava os compositores a criarem ao longo do ano. Junta uma turma no seu boteco e pede para alguém cantar um samba dos últimos oito anos que não seja da sua escola. Não sai um. Só tem porcaria, um negócio marcheado que não pega. Esse marcheado acabou com a bossa do Carnaval. A Beija-Flor era a única que resistia, mas não resiste mais.

Nem os que o Wanderley Monteiro têm feito na Portela, que estão sendo muito elogiados? E o da Vila Isabel neste ano, com Martinho e Arlindo Cruz.
Não ouvi. O Wanderley eu não conheço. Já o Martinho e o Arlindo são gênios. Se fizerem um samba ruim, vou lá e dou porrada nos dois (risos).

Qual a solução que você aponta para o Carnaval voltar a ser como nos velhos tempos?
Chegar um cara corajoso e obrigar a escola a cantar samba, mesmo perdendo.

Mas a história só dá valor aos vencedores. Os perderores são esquecidos.
Verdade, mas eu acho que a vida é feita de ciclos e que em breve teremos um novo Carnaval. Pelo menos torço por isso.

E qual a última coisa que você viu de bom no Carnaval?
Foi uma vez que fui ao Salgueiro, há alguns anos. Havia tanta caixa de som, tudo tão alto e ruim, que eu e o Laíla, que estava lá, saímos e fomos beber num pé-sujo bem sujo perto dali. Até que uns caras meio suspeitos começaram a entrar, por baixo do balcão, e se instalar dentro da birosca. Eu e Laíla fomos lá dentro, escondidos, ver o que estava rolando. Era uma galera fazendo fantasia com chapinha de cerveja para o bloco Faz Vergonha. Foi sensacional.

Por falar em boteco, você continua fumando sem parar. Bebendo também?
Claro! Vou parar para ter mais dois dias de vida? Só não bebo mais destilados brancos, como cachaça e vodca, porque comi um peixe estragado em Rio das Ostras que me destruiu o fígado. Mas cerveja, uísque e vinho é comigo mesmo.

Ah, então a próxima entrevista vamos marcar num botequim?
É um favor que você me faz. Vai ser muito melhor do que aqui em casa (risos).

Com informações da Agência Brasil

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