Rio - Antes tarde do que nunca. Marginalizada e perseguida nas ruas no passado, a manifestação cultural que melhor traduz as dores e os amores que descem dos morros cariocas recebeu nesta quinta-feira um reconhecimento oficial. Foi publicado no ‘Diário Oficial’ uma lei que declara o samba, as marchinhas e os blocos carnavalescos de rua como Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. Ouvidos pela reportagem do DIA, alguns dos maiores bambas comemoraram a notícia.
Aos 90 anos, o sambista Nelson Sargento viveu a época em que o som dos coturno dos policiais marchando era a única nota que desafinava nas rodas de samba de raiz. Ao saber da notícia, o mangueirense olhou para trás.
“A vida só é ruim para quem não sabe esperar. As coisas lentamente vão se colocando no lugar”, disse. “Assim como o samba, só passei a ter reconhecimento depois da fase adulta. Devagar, devagar, devagar", cantou. Da Primeira Estação, a notícia chegou até Madureira, em azul e branco, alegrando outro bamba. Monarco da Portela, 82 anos, é parte viva do patrimônio que se tornou imaterial.
“O samba negro sempre foi como a lei assinada pela Princesa Isabel. Livre, porém marginalizado”, disse. “É o combustível mais barato, porque explode. Fico feliz em ver o reconhecimento, ainda mais das marchinhas, tão ingênuas alegrando o povo”, completou. Em 1918, surgia nas ruas do Centro o bloco carnavalesco carioca mais antigo em atividade e que hoje mobiliza cerca de dois milhões de foliões a cada ano, o Cordão da Bola Preta. Seu presidente, Pedro Ernesto, resume a importância da lei.
“É de extrema importância, valoriza e reconhece o trabalho feito por tantos anônimos. O samba de rua é a essência e a maior tradição do povo carioca. Estamos muito satisfeitos”, comemorou. Autora da lei, a deputa estadual Inês Pandeló (PT) contou como a ideia de transformar um patrimônio, já reconhecido pelo povo, chegou à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
“Antes os turistas vinham para o Rio apenas para o desfile de escolas. Hoje muitos vêm para o carnaval de rua, que voltou a ter força”, afirmou. “A lei reconhece essas manifestações que constituem fonte de lazer e arte da população fluminense”, justificou no documento. Autor da marchinha ‘Mulher, Mulher, Mulher’, Neguinho da Beija-Flor comemorou a notícia ao seu estilo. “Maravilha, maravilha, maravilha. Essa lei é uma maravilha”, disse.