Por thiago.antunes

Rio - Um pedido de desculpas oficial deve ajudar a restabelecer a fé na igualdade de crença do Estado ao aluno de 12 anos, que teria sido vítima de discriminação religiosa em uma unidade da rede pública de ensino. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, e a secretária municipal de Educação, Helena Bomeny, vão receber na prfeitura hoje, o aluno e sua mãe, Rita de Cássia Araújo para se desculpar formalmente pelo episódio.

O encontro também esclarecerá o caso divulgado pelo DIA. De acordo com a família do garoto, a diretora da Escola Francisco Campos, no Grajaú, teria impedido sua entrada, semana passada, por ele usar guias do candomblé. Uma sindicância foi aberta para apurar o caso.

Por meio de uma carta aberta, professores da unidade declararam apoio à direção da escola. No documento, os funcionários relataram que “em nenhum momento houve desrespeito, desacato ou qualquer tipo de atitude preconceituosa por parte da diretora”. O grupo reforçou ainda que oferece tratamento igualitário aos estudantes, sem distinções de qualquer natureza.

A auxiliar de serviços gerais Rita de Cássia Araújo acompanha o filho em seu segundo dia de aula na Escola Panamá%2C no Grajaú%3A “Tenho orgulho da minha religião”%2C disse eleMaíra Coelho / Agência O Dia

Em nota, a Prefeitura do Rio esclareceu que “não admite qualquer tipo de discriminação nas unidades escolares da Rede Municipal” e por conta disso, a própria Secretaria de Educação irá investigar o caso e tomar as medidas cabíveis ao fim da apuração. O prazo de conclusão da sindicância é de 30 a 45 dias.
Rita de Cássia, apesar da oferta do prefeito, mantém a decisão de buscar reparação na Justiça. “Vamos ver o que eles têm para falar. Faço questão de levar meu advogado e meu pai de santo. Não dá mais para suportar esse preconceito religioso”, declarou a auxiliar de serviços gerais.

Ontem, ela acompanhou o filho no segundo dia de aula da nova escola. Após o episódio com a diretora da Francisco Campos, o aluno foi transferido para a Municipal Panamá, também no Grajaú. “Fui bem recebido. Meus colegas me trataram bem e disseram que eu estava bonito com as guias. Fizeram algumas perguntas curiosas, mas respondi a tudo. Tenho muito orgulho da minha religião”, contou o menino, que ganhou tratamento especial até na merenda escolar.

“Disse que hoje (terça-feira) ele não poderia comer feijão porque é a comida do orixá dele. Rapidamente disseram que vão fazer outra coisa”, relatou Rita. O estudante foi iniciado no candomblé no mês passado e, como parte dos fundamentos da religião, terá que usar as guias e roupas brancas até dezembro. Seu pai de santo, Rafael Aguiar, esclareceu que a decisão de se submeter aos preceitos do candomblé partiu do próprio menino. “Ele disse para mim que estava pronto. Dei todas as orientações a ele, inclusive, sobre o preconceito. Senti que tudo isso deixou ele até mais maduro”, concluiu Aguiar.

Alunos do Colégio Pedro II usam saias para protestar contra discriminação

Quem passou pelos portões de um dos colégios mais tradicionais do Rio na manhã desta terça percebeu algo diferente no uniforme dos adolescentes. Com meninas e meninos vestindo saia, estudantes do Ensino Médio do Colégio Pedro II, em São Cristóvão, protestaram contra o proibição de um aluno homossexual entrar na escola vestindo saia no dia 23 de agosto. Apesar da manifestação ter divido opiniões, a reitoria declarou que estuda flexibilizar as normas de vestimenta.

O adolescente, que preferiu não se identificar, vestia a tradicional calça azul-marinho ao deixar o colégio na tarde de ontem. “Não me identifico com o gênero masculino. Aqui é o lugar que me sinto mais acolhido e por isso me senti à vontade para expressar a minha liberdade”, disse. “Fiquei feliz com o apoio dos colegas e espero que isso possa servir de exemplo para que ninguém mais seja discriminado. A primeira coisa que o colégio diz é que te aceita como você é”, afirmou.

Alunos do Colégio Pedro II%2C de São Cristóvão%2C fazem ato pelas ruas do bairro pelo uso de saias por meninosDivulgação

Ele ainda comparou o protesto a uma mobilização dos antigos alunos da instituição que foram às ruas e cortaram as gravatas dos ternos nos anos 60, conseguindo que a escola adotasse um uniforme menos formal. Rodeado por colegas do terceiro ano a caminho da pelada de futebol após o fim da aula, Luis Guilherme Barata, de 17 anos, saiu em defesa do “saiato”.

"As pessoas têm direito de se expressar. Cada um é dono do seu nariz e deve se vestir do jeito que quiser, não ofende ninguém", disse. Para a estudante Maria Monteiro, 15, o mais importante foi dar apoio ao amigo. “Ele não se sente homem nem mulher e ficou constrangido. Agora está feliz com o nosso apoio e disse que quer se sentir livre”, afirmou.

Vinicius Cunha, 17, pensa de forma diferente. “É uma norma da escola e temos que respeitar. Não é questão de preconceito, os uniformes são diferentes por conta do gênero e não da opção sexual”, declarou o aluno. Reitor do colégio, Oscar Halac, 53, afirmou que o acontecimento é retrato de uma mudança de tempos.

“Foi um ato em favor do movimento sociológico em que vivemos. Opção sexual não é importante para nós, todos os alunos são iguais. Mas o uniforme da escola determina indumentária masculina e feminina”, disse. “O colégio estuda, até o fim do ano, um novo código de conduta, esse novo olhar que devemos ter sobre a sociedade certamente será mensurado”, afirmou.

Professores de religião são 1.300 no Rio

Para Stella Guedes Caputo, coordenadora do grupo Ilé Oba Òyó, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uerj, que pesquisa sobre a laicidade nas escolas públicas, casos como o do estudante do Grajaú reforçam a deficiência dos professores em relação ao que é efetivamente o estado laico.

“Falta informação nos cursos de formação desses professores. Eles não são preparados para um ensino laiticista. Para que isso ocorra, é preciso publicizar a questão. Mas isso não acontece porque as pessoas têm medo e não querem aprender a separar a fé individual da coletiva”, declarou.

Segundo levantamento do grupo, 1.300 professores dão aulas de ensino religioso na rede pública, conforme determina a Lei Estadual 3.459 de 2000. Desse total, 70% são católicos e 30%, evangélicos. “Não há praticante da religião afro-brasileira nesse cenário. E o mais curioso é que um estado laico oferece aulas de religião”, conclui a coordenadora. Em nota, a Secretaria municipal de Educação informou que o ensino religioso é facultativo. Neste ano, 60% dos alunos da rede optaram pelas aulas religiosas.

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