Por adriano.araujo
Expectativa cresce entre os fiéis por mais um santo brasileiro%3A Dom Hélder CâmaraArquivo

Rio - Acusado de subversivo, candidato ao Nobel da Paz, tachado de ‘Bispo Vermelho’ pelos militares e amado pelos fiéis. Em mais de 60 anos de vida missionária, foram muitas as denominações atribuídas ao ex-arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, religioso que se tornou símbolo da luta contra a pobreza no Brasil. A nomeação mais aguardada no momento, porém, é a de ‘servo de Deus’, primeiro passo rumo à santidade.

Para católicos que tiveram o privilégio de conviver com o bispo, é grande a expectativa em torno da abertura do processo de beatificação, 15 anos após sua morte. Neste domingo de Páscoa, devotos de todo o país estarão mobilizados pela sua canonização. Do Rio de Janeiro, onde ele atuou como bispo auxiliar nos anos 1960, poderá sair o primeiro milagre.

Acometida por uma grave depressão, Helena Araújo, 65 anos, recebeu das mãos do religioso um terço que ela guarda até hoje. “Foi uma lembrança da mãe dele, quando entrou para o seminário. Me senti curada. Para mim, ele sempre foi santo”, reconhece a moradora de Botafogo, que já prometeu em testamento devolver a relíquia para o instituto, em Pernambuco, onde está o acervo pessoal de Câmara.

Antes disso, será preciso obter o Nihil Obstat (Nada Consta) emitido pelo Vaticano. Em seguida, uma comissão jurídica vai investigar a vida do religioso por meio de textos publicados por ele e entrevistas com pessoas que conheceram o ‘Dom da Paz’, como era chamado pelo povo.

Marina Araújo trabalhou ao lado do arcebispo para criar o Banco da ProvidênciaAlexandre Brum / Agência O Dia

Na semana passada, a Cúria Romana, no Vaticano, começou a recolher pareceres, conforme revelado pelo DIA, para sustentar o longo processo de beatificação conduzido pela Congregação para a Causa dos Santos. A carta enviada pelo prefeito da entidade, dom Ângelo Amato, à Arquidiocese de Olinda e Recife é o primeiro sinal verde para que dom Hélder se torne beato e, mais tarde, santo da Igreja Católica.

Nascido em Fortaleza, em 7 de fevereiro de 1909, dom Hélder veio para o Rio de Janeiro em 1936, onde permaneceu por 28 anos. Como bispo auxiliar, teve passagem marcante pela cidade. Ajudou a erguer a Cruzada São Sebastião, no Leblon, onde foram abrigados moradores removidos da favela da Praia do Pinto, na Lagoa; e a obra social Banco da Providência, a que até hoje recorrem os mais carentes.

Aos 92 anos, Marina Araújo, que trabalhou ao lado do bispo na obra social da Providência tem a expectativa da confirmação da santidade do religioso. “Ele fazia todos se sentirem importantes e gostava de trabalhar em grupo. Para nós o mais importante é manter a lição que nos deixou. A de que precisamos amar o próximo”, diz Marina.

O religioso ajudou a construir os prédios da Cruzada São SebastiãoBruno de Lima / Agência O Dia

VIVA VOZ
Por Fernando Molica, jornalista e escritor

?Estive com dom Hélder lá pelo início dos anos 1990, quando apurava uma reportagem sobre a crise enfrentada pela Teologia da Libertação, corrente que destacava o papel revolucionário da pregação de Jesus. A conversa foi na pequena Igreja das Fronteiras, no Recife, onde ele, aposentado, morava. Esperava recolher um depoimento indignado contra os golpes desferidos a partir de Roma contra uma Igreja que buscava se aproximar dos pobres. Encontrei um homem que aparentava mais que seus 80 e poucos anos, frágil, baixinho, encurvado, que em nada lembrava o ‘Arcebispo Vermelho’, que desafiara ditadores, que tivera seu nome proibido de ser citado nos jornais.

Na Rio 92%2C ele estava ao lado do Dalai LamaArquivo

Substituído na Arquidiocese de Olinda e Recife por um bispo ultraconservador, que destruíra boa parte de seu legado, dom Hélder parecia não guardar ressentimentos. Escapou de perguntas que buscavam captar revolta ou rancor, ignorou minhas provocações. Num esforço, reassumiu o tom profético de outros tempos; como se estivesse num púlpito ou palanque, revelou que sua alegria era poder, todas as manhãs, “rezar a Santa Missa”.

Fiquei decepcionado. Aquele fiapo de homem metido numa batina branca de algodão que dançava em torno de seu corpo não parecia ser o mesmo que, em 1980, fora abraçado por João Paulo II, que o chamara de “irmão dos pobres, meu irmão”.

Besteira minha. Em seus últimos anos de vida, dom Hélder exalava a paz dos que sabem ter cumprido sua missão. Para reconhecer a santidade de alguém, o Vaticano costuma exigir a comprovação de uma ou outra graça obtida pela intercessão do candidato ao altar. Dom Hélder fez mais. Incomodou poderosos, ajudou a tirar a Igreja de um atoleiro medieval. Ele provocou o milagre de converter tanta gente a uma causa fundamental, a que prega o direito de todos a uma vida digna, a algum céu na Terra.

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