Por karilayn.areias
Presidente da Liesa%3A "Não há como chegar para 40 jurados e dizer%3A ‘Meu irmão%2C você vai dar 9.7 aqui%2C 9.6 ali e 10 ali’"João Laet / Agência O Dia

Rio - O presidente da Liesa, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio, Jorge Luiz Castanheira Alexandre, recebeu O DIA na semana passada, na sede da Liga, num papo de mais de três horas. Natural de Além Paraíba (MG) e torcedor do Flamengo, o economista de 52 anos é discreto como bom mineiro, e contador de histórias. Mas fala sem parar.

Sem fugir de nenhuma pergunta, disse que a Liesa está aberta a quem quiser investigá-la, garante a lisura da maior festa popular do país, e assume erros, como o mau aproveitamento da Cidade do Samba. E diz que espera ver o Carnaval, que ficou fora da Copa, representado na abertura dos Jogos Olímpicos de 2016.

O DIA: Qual a sua resposta quando você ouve na rua que não é possível confiar no resultado do Carnaval por ser uma disputa controlada por uma máfia, a do jogo do bicho?

CASTANHEIRA: Eu não trabalho com jogo do bicho, mas todo carioca já jogou no bicho. Até eu, que sou mineiro e não gosto de jogo, não sou ligado a jogo. Mas no modelo de gestão da Liga vale o que está escrito. E mais do que está escrito. Como no jogo de bicho, tem que ser honesto e parecer honesto. O resultado do Carnaval não pode ter fraude. Se tiver, se favorecer uma escola, vai desfavorecer outras onze. Aí vai ter briga, discussão e muito problema.

E nunca houve?

Quantos jurados já saíram do Carnaval? Pergunte a qualquer um deles se algum presidente da Liga já pediu alguma coisa. Não tem. Ninguém nunca falou nada.

Mas quem tem coragem de denunciar bicheiro?

Em 2007, um delegado da Polícia Federal disse que havia fraude. E os julgadores foram depor, sigilosamente. E nada se provou. A única forma que poderia acontecer é alguém prejudicar uma escola para ela descer. Não há como chegar para 40 julgadores e dizer: “Meu irmão, aqui você vai dar 9.8, nessa é 9.7, nessa é 10”, e formar um esquema complexo para nota fracionada. Quem vai fazer isso e qual julgador vai se submeter?

E como fazer para evitar manipulação no rebaixamento?

A gente descarta a menor nota dos quatro julgadores. Isso pode acabar favorecendo quem errou, como por exemplo um casal de mestre-sala e porta-bandeira que escorregar na frente de um julgador. Mas é melhor descartar esse erro do que permitir que um julgador prejudique uma escola. E eu não vou sujar meu nome por causa de julgador. A única coisa que tenho na vida é meu nome.

Também se comenta nos bastidores que a Unidos de Padre Miguel, que tem feito grandes desfiles, não sobe para o Grupo Especial por causa da ligação com o traficante Celsinho da Vila Vintém. O que isso tem de verdade?

Primeiro que não é função da Liesa saber quem está por trás desta ou daquela agremiação. Aqui bem perto mesmo havia uma escola (Mangueira) próxima ao tráfico. Ou seja, isso não é uma situação nova. E este ano, por exemplo, a Unidos de Padre Miguel aplaudiu a vitória da Estácio. Isso dá legitimidade à conquista. Carnaval se ganha por quesitos. E acho que se a Unidos continuar se aprimorando como tem feito, uma hora vai acabar subindo. O Celsinho não chegou hoje. Ouço falar nele há 30 anos, como um cara da comunidade. Se a família tiver alguma pessoa ligada à escola isso quer dizer que é traficante? Seria leviano da minha parte dizer isso. Se está ligado ao tráfico, é caso de polícia, não da Liesa.

O patrono da Beija-Flor, Anísio (Abrahão David), no início deste mês, renunciou ao Conselho de Grandes Beneméritos insatisfeito não com você, mas com sua gestão, com a forma como negocia o contrato com a Rede Globo, detentora dos direitos do Carnaval.

Não houve isso. Quando discutimos o contrato com a Globo, oito anos atrás, estive com Anísio, Luizinho Drummond e Capitão Guimarães conversando sobre esse realinhamento e foi muito positivo. Antigamente tínhamos apenas um patrocinador pela televisão e hoje temos cinco. Seu Anísio deve ter se expressado mal. Ele fez críticas sobre o não televisionamento das primeiras escolas e do Sábado das Campeãs. E aí eu admito que ele tem razão. Mas a Globo paga suas cotas antecipadamente, no meio do ano, possibilitando que as escolas comecem a fazer o Carnaval mais cedo. São R$ 2 milhões para cada agremiação. Em 2000, eram R$ 4 milhões a dividir para todas.

A transmissão de todas as escolas e do Desfile das Campeãs será uma prioridade para 2016?

Sim. Foi um problema e vamos ter de rever. A São Clemente, por exemplo, com a Rosa Magalhães, talvez tenha feito o melhor desfile de sua história. E não foi transmitido. Isso é um prejuízo para a festa.

Como você analisa as declarações do Laíla, carnavalesco da Beija-Flor, que prometeu resgatar as tradições dos desfiles de outrora, fazendo um Carnaval mais barato, mais lúdico, tentando resgatar a empatia com o torcedor?

Vejo com bons olhos toda análise construtiva. Carnaval já teve várias fases, as escolas também. O Laíla, por exemplo, conseguiu fazer da Beija-Flor uma legião. Parece que é o mesmo grupo desfilando há anos. É uma religião com todos invocando o mesmo ideal. É uma técnica de desfile diferenciada, somada à genialidade do Laíla para transformar enredos, cuidar da bateria, do casal de mestre-sala e porta-bandeira. É o mesmo time jogando junto há muito tempo. A Selminha Sorriso e o Claudinho (porta-bandeira e mestre-sala) têm mais de 20 anos juntos. O Neguinho é o maior nome do Carnaval. Depois do Jamelão, que foi o Pelé, o grande professor, vem ele. Enquanto isso, outras escolas fizeram o contrário, com diretorias que não tiveram o mesmo desempenho de outrora.

Mangueira e Portela?

Não apenas. Tem a Mocidade, bicho-papão da década de 90, o Império Serrano. Carnaval tem que ter a modernidade aliada à tradição, ao conceito da criação e ao público. Não é fácil encontrar essa fórmula. O Laíla está querendo achar. Na bateria ele achou. Um ritmista com fantasia volumosa abafa o som. A fantasia tem que deixar o som chegar a todo o Sambódromo com as nuances rítmicas bem definidas. E o Laíla percebeu isso e faz a bateria da Beija-Flor beirar a perfeição, como também a Unidos da Tijuca. Várias escolas se aperfeiçoaram, outras perderam sua essência e estão tentando se reencontrar. Essa é a magia do Carnaval. A Mangueira com o Ivo Meirelles, por exemplo, trouxe muita inovação na bateria. Deu show. Mas administrativamente, foi um desastre.

A Liesa teve um prejuízo de R$ 3 milhões este ano. Vocês não utilizam pouco a Cidade do Samba como fonte de receita?

Certamente. Mas hoje não tem como utilizar o espaço na plenitude devido às obras na região. Nosso projeto é transformar a área central da Cidade do Samba numa casa de espetáculo com mil lugares, ar-condicionado, shows todos os dias da semana. Estamos buscando parceria com uma empresa de entretenimento para captar recursos, construir e manter esta área.

E a Olimpíada. Tivemos samba no Pan de 2007, mas não na Copa. Teremos nos Jogos Olímpicos?

Não sei o que vai acontecer. Mas acho que a prefeitura e a Riotur certamente vão usar as escolas, senão no todo, pelo menos em parte. Já nos colocamos à disposição do prefeito. Gostaria de ver, sim, o Carnaval nas Olimpíadas. E acho que o Carnaval do ano que vem também tem que ser magnífico.

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