Por felipe.martins

Rio - Um fantasma do passado volta a preocupar os moradores de Volta Redonda. A poluição atribuída à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que na década de 1990 alarmou a todos, voltou a ser alvo de reclamações. Procuradores do Ministério Público Federal acusam a empresa de funcionar, desde 2012, sem licença de operação e de não cumprir exigências de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado junto ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), em 2008.

Nesta segunda-feira, representantes da Comissão Ambiental Sul, formada por moradores de bairros da cidade atingidos pela poluição emitida pela CSN, entregaram ao MPF do município sacos de pó preto contendo metais ferrosos. O material, que será anexado à ação civil pública ajuizada na Justiça Federal contra a empresa por danos à saúde da população e ao meio ambiente, é parte de 30 quilos de fuligem recolhidos em cinco ruas do bairro Jardim Cidade do Aço em apenas 15 dias.

Poluição da CSN causa danos à saúde de moradores vizinhosDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

A CSN, no entanto, argumenta que possui um TAC em vigor, “com quase sua totalidade atendida”, e que já ingressou com pedido de licença ambiental, que está em análise pelo Inea. Em nota, a Justiça Federal informou que ainda não há decisão sobre a ação contra a empresa, que pode, inclusive, ter seu processo produtivo, que envolve 22 mil trabalhadores — 11 mil de forma direta — suspenso temporariamente.

Com um ímã, Délio Guerra, um dos integrantes da comissão, mostrou aos procuradores Júlio Araújo Júnior e Rodrigo Timóteo que as partículas, oriundas do processo de fabricação do aço da Usina Presidente Vargas (UPV) e aspiradas pelos moradores, contêm cerca de 80% de metais de diversos tipos.
“Imagina esse lixo tóxico, que recolhemos nas calhas, dentro de casa e nas calçadas, sendo despejado 24 horas por dia também nos pulmões das pessoas?”, questionou Délio.

A ação civil pública pede a suspensão total das atividades nas unidades de sinterização 2, 3 e 4 da usina, até que a companhia venha a atender aos requisitos ambientais. Além disso, o MPF quer que a companhia pague uma compensação financeira à sociedade, equivalente a 2% de seu faturamento, como indenização por dano moral coletivo.

“Esperamos que a Justiça Federal analise nossa ação com brevidade. A vida de milhares de moradores está em risco”, comentou Júlio. Rodrigo, por sua vez, diz que a CSN continua “postergando obrigações” para conter a poluição, que afeta o ar, o solo e o Rio Paraíba do Sul.

No Jardim Cidade do Aço, de onde se veem nuvens de cor marrom no entorno da usina, a revolta é geral. “Minha filha (Laura, de 4 anos), usa nebulizador todo dia devido a asma, bronquite e sinusite. A poeira da CSN toma conta de tudo”, lamenta a cabeleireira Pâmela Costa, 27 anos.

A CSN garantiu que investiu, no último ano, mais de R$ 350 milhões em ações ambientais e modernizações e informou que monitora a qualidade do ar de Volta Redonda, sob supervisão do Inea, e os índices variam entre “bom” e “regular” na maior parte do ano. “É descabido e desarrazoado o pedido do MPF para fechar a sinterização da UPV, já que isso significa a paralisação de toda a produção de aço, com prejuízos incalculáveis à economia e ao emprego na cidade”, completa a nota da companhia.

?Preocupações com o meio ambiente e com empregos

O Inea ressaltou, em nota, que Volta Redonda conta com três estações automáticas de medição de partículas em suspensão, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, ozônio e dióxido de nitrogênio. As estações apontaram qualidade do ar variando entre “regular e boa” nas últimas medições. “As ações do Inea são raras e ineficazes”, critica o engenheiro João Thomaz, integrante da Comissão Ambiental Sul.

Politicamente o clima não cheira nada bem. Ex-governador do Ceará e ex-ministro da e da Integração Nacional, Ciro Gomes já esteve duas vezes em Volta Redonda, onde se encontrou com lideranças políticas. Como diretor da CSN, onde responde pela Ferrovia Transnordestina, Ciro foi escalado pelo dono da companhia, Benjamin Steinbruch, para tratar da ação impetrada pelo MPF.

Pâmela%2C cuja filha tem problemas respiratórios%2C mostra o pó preto levado pelo ar e que se acumula no carroDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

“Ciro veio com um discurso alarmista, de possível desemprego em massa na cidade, ignorando o sofrimento dos moradores com a poluição. A CSN só visa ao lucro”, lamenta José Maria da Silva, da mesma comissão. “Torço para que a CSN encontre soluções, que não sejam demissões”, completa o prefeito Antônio Francisco Neto (PMDB). O Sindicato dos Metalúrgicos não se manifestou.

Coleção de multas ambientais

A CSN é colecionadora de multas emitidas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) por conta da poluição. Uma das mais recentes foi aplicada em maio do ano passado, no valor de R$ 3 milhões. A infração foi registrada após denúncias dos moradores das imediações da usina, que constataram o desligamento do sistema de controle de emissões de poluentes.

Na vistoria realizada pelo instituto na época, também foi comprovada a falta de limpeza da unidade, o que favorecia a disseminação de poeira. O Inea não informou se as multas emitidas à companhia foram pagas. Com 74 anos de idade, a Companhia Siderúrgica Nacional é uma das cinco maiores fabricantes de folhas metálicas do mundo. A empresa foi a primeira produtora integrada de aços planos no Brasil. Quando iniciou suas atividades, em 1946, a CSN era estatal, passando a pertencer a um grupo privado 47 anos depois.

Délio%2C em meio a integrantes da comissão de moradores%2C entrega o pó recolhido nas ruas ao MPFDaniel Castelo Branco / Agência O Dia

Atualmente, o complexo siderúrgico tem atuação nos setores de mineração, logística, cimentos e energia. A companhia possui oito unidades nacionais — sendo a principal delas a Usina Presidente Vargas, em Volta Redonda — e duas nos Estados Unidos e Portugal. No ano passado, a empresa registrou receita líquida de R$ 16,1 bilhões, e seu volume total de vendas foi de 5,2 milhões de toneladas em produtos.

Colaborou Angélica Fernandes

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