Por bianca.lobianco

Rio - Se por um lado o número de homicídios no estado se consolida em viés de baixa, com média de 29 casos a cada 100 mil habitantes, após chegar a 60, por outro o de pessoas mortas em confronto com a polícia voltou a subir. Em todo o Rio a quantidade de mortes em supostos confrontos com bandidos subiu de 416, em 2013, para 580 em 2014 — preocupante aumento de 39,4%, após oito anos de queda. Os dados fazem parte do relatório ‘Você Matou Meu Filho — Homicídios Cometidos Pela Polícia Militar na Cidade do Rio de Janeiro’, que a Anistia Internacional divulga hoje.

A pesquisa mergulha na Favela de Acari, que vivenciou uma chacina há 25 anos, e avalia o impacto dos autos de resistência, ou mortes decorrentes de ação policial, na comunidade. Os relatos impressionam ao mostrar que, muitas das vezes, a morte mais parece execução. Pode ser o caso de Pedro Ivo, 19 anos, que trabalhava no Ceasa, era noivo e evangelizava outro jovem na entrada da favela quando policiais chegaram.

Alvejado com o menor, a quem convencia de ir à igreja, agonizou em meio à revolta dos moradores, que cercaram os policiais e foram dispersados com bombas de gás lacrimogêneo. No registro de ocorrência, consta que ele tinha estojo de munição, entorpecentes e caderno com anotações do tráfico. Segundo sua mãe, Helena S.S., 61 anos, o filho sequer usava drogas.

“O comandante do 41º BPM (Irajá) diz que o tráfico lá não é de resistência”, conta Átila Roque, diretor da Anistia Internacional, que ficou tenso por causa de ameaças à entidade através de rede social, após o anúncio do relatório. Recomendou cuidado aos membros da Anistia.

Se na capital do Rio o crescimento dos autos de resistência não foi tão grande — de 224 para 244, ou 8%, — é na periferia que explodem. Na Baixada, saltaram de 108 para 197 (84,2%) e na Grande Niterói (inclui São Gonçalo), de 64 para 95 (48%). Especialistas dizem que o aumento da ocorrência, e roubo de cargas e carros, são indícios de atuação do crime organizado, fazendo crer que a criminalidade migrou para estas regiões com a pacificação. Desde 2007, início da atual gestão na Secretaria de Segurança, os números vinham caindo. Pela primeira vez a curva inverte, apesar de estar distante das 1.134 mortes daquele ano.

Assassino de menino de 10 anos não foi descoberto 

A tragédia que se abateu sobre Terezinha Maria de Jesus foi além da morte do filho Eduardo de Jesus, de 10 anos, na porta de casa, quando brincava com um celular. Três meses após assassinato da criança no Complexo do Alemão, confundido com um bandido no dia 2 de abril, a investigação não chegou à conclusão sobre quem atirou em Eduardo. O fato é que sua morte contribuiu para estancar a espiral de violência na comunidade àquela época, Terezinha deixou a casa e procurou abrigo longe da favela onde criava seus filhos. O motivo é o medo de represálias.

“Escutei um estouro e o grito: ‘mãe’! Ainda queriam desfazer a cena do crime”, relembrou, em depoimento à Anistia. Ao olhar nos olhos do policial e dizer que ele havia matado seu filho, Terezinha recebeu como resposta o fuzil apontado para seu rosto. Outro policial retirou o colega.

O relatório, que elogia a Secretaria de Segurança pela transparência, reconhece o efeito das UPPs na redução dos homicídios. Segundo o estudo, são 600 mil pessoas vivendo sob o manto de 38 UPPs, com 18% do efetivo da PM. O relatório mostra que de 136 vítimas de homicídios em decorrência de intervenção policial, em 2007, o número caiu para 20, em 2014. No entanto, ainda há denúncias de abuso, uso desnecessário da força e execuções.

Secretário considera 'injusto e temerário'

O secretário estadual de Segurança do Rio, José Mariana Beltrame, divulgou nota discordando do resultado do estudo, criticando a sua divulgação e considerando a conclusão "temerária e injusta".

"Considero temerária e injusta a divulgação desse estudo de casos, num momento em que vemos os níveis de criminalidade caírem no Rio. A capa do estudo já cria um estigma antecipado do policial. Todos sabem que no Rio de Janeiro a diminuição da letalidade violenta é o principal fator para que um policial seja premiado no Sistema Integrado de Metas. E no caso específico do homicídio decorrente de intervenção policial, os resultados saltam aos olhos, principalmente nas áreas onde foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora. Houve 20 mortes decorrentes de intervenção policial em áreas de UPP em 2014, o que equivale a uma redução de 85% se comparado ao registrado em 2008 (136 vítimas)", falou.

Beltrame reconheceu que algumas áreas ainda vivem sob o domínio do tráfico de drogas e da violência imposta por esse poder, mas voltou a falar de redução. "Sabemos que no Rio ainda há áreas com guerra, como mostra esse estudo de casos. Mas é inegável a melhora nos índices de criminalidade de 2007 para cá."

O secretário finalizou informando sobre a redução de fuzis e munições, além da criação do Centro de Formação do Uso Progressivo da Força e da Divisão de Homicídios, indicando que algumas recomendações do estudo já foram adotadas e não são reconhecidas no estudo.

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