Por adriano.araujo

Rio - Na altura do KM 271 da Rodovia Presidente Dutra, no bairro Monte Cristo, em Barra Mansa, Sul Fluminense, Laura da Silva, de 24 anos, desce os poucos degraus em frente à casa alugada. Dali, ela já está a menos de quatro metros do muro recém erguido no quintal da residência. Só que ele fica dentro da pista auxiliar da via que é a principal ligação entre Rio e São Paulo.

A 42 quilômetros dali, a pouco mais de um quilômetro da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Piraí, a balconista Brenda do Nascimento, 21, observa, sentada em frente ao seu barraco de alvenaria e madeira, o movimento frenético de carros e caminhões, a 20 passos de seu lar.

Moradias se espalham ao longo da Dutra%3A lei federal determina que haja uma distância mínima de 15 metros%2C onde não pode haver edificaçõesFabio Gonçalves / Agência O Dia

Sem fiscalização adequada, o crescimento desordenado de imóveis às margens da sexagenária Via Dutra, fundada em 1951, por onde circulam 59 mil veículos por dia, vem mudando diariamente a paisagem. Em marcha lenta, a ocupação ilegal aos poucos vai surgindo, de forma isolada ou em pequenos conglomerados, conforme a equipe do DIA constatou na semana passada.

Entre Itatiaia, no Sul do estado, e São João de Meriti, na Baixada, o trecho mais crítico, pelo menos 150 novos imóveis de tijolos sem reboco, e outros apenas de madeira e papelão, dão um aspecto de favelização à estrada. Boa parte ignora a lei federal 6.766\/79, que reserva uma faixa não-edificável de 15 metros de cada lado de uma via. Brenda revela que já tentaram (concessionária CCR NovaDutra, Prefeitura de Piraí e PRF) “tirar” ela, a mãe, e os dois irmãos do barraco em que vivem no KM 229.

“Não querem nos indenizar. Essa área é de posse. Nossa família está aqui há 21 anos”, alega Brenda. Na vizinhança, outras 15 moradias têm obras embargadas pela Prefeitura de Piraí — mas estão a pleno vapor. Nenhuma tem luz, água tratada e, muito menos, rede de esgoto. “Tudo aqui vai para fossas”, detalha Janice Aguiar, 45, vizinha de Brenda.

Pequenos estabelecimentos comerciais também vêm sendo abertos do dia para a noite. Como uma birosca instalada há alguns meses a menos de dez metros da rodovia, na altura do KM 218, no final da descida da Serra das Araras. Segundo testemunhas, para driblar a fiscalização, o local só funciona à noite. “Realmente é muito perigoso. A impressão que dá é que a gente vai parar dentro da birosca uma hora”, comentou o caminhoneiro Justino Abreu de Almeida, 46.

Bar%2C construído em alvenaria%2C na descida da Serra das Araras%2C só funciona à noite para driblar a fiscalizaçãoFabio Gonçalves / Agência O Dia

Um crescimento difícil de controlar

?Em nota, a CCR NovaDutra garantiu que realiza rotineiramente a inspeção da rodovia. “Quando é constatada a construção dentro da área de domínio, o proprietário é notificado e outras medidas administrativas, bem como judiciais, são tomadas”, destaca a concessionária.

A Polícia Rodoviária admitiu que há edificações sendo construídas. “A PRF auxilia, tanto apoiando no momento da notificação do proprietário pela concessionária, quanto na identificação de novas construções. Algumas obras estão fora da chamada faixa de domínio, sendo de competência das prefeituras”, diz o texto.

As prefeituras, por sua vez, argumentam que, na maioria dos casos, as construções clandestinas estão dentro de propriedades particulares. “Nós embargamos as obras ilegais, mas não podemos fazer mais nada dentro de áreas que fogem ao domínio público”, lamenta o prefeito de Piraí, Luiz Antônio Neves.

?Reflexo da exclusão social

?Mestre em Gestão Ambiental e Arquitetura Urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Júlio Bentes diz que o fácil acesso possibilitado pelas rodovias atrai moradores para suas margens. “No caso da Dutra, a urbanização tem dado cada vez mais à via características urbanas. Onde tem casas, tem comércio, tem gente transitando. O adensamento urbano e as construções sem controle geram maior tráfego de veículos e impactam diretamente o transporte rodoviário, em tempo e em custos.”

Manoel Lapa, do Clube de Engenharia e membro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ), especialista em estruturas e segurança no trânsito, é categórico. “Falta maior inclusão de sem-tetos em políticas habitacionais, que impediriam ocupações à beira das estradas”, comenta.

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