Rio - A morte da médica assassinada ao voltar do trabalho deve ser pranteada por todos, sobretudo por se tratar de uma pessoa boa, focada em fazer o bem para os mais necessitados. Todos lamentamos essa e outras vidas ceifadas prematuramente pela violência do cotidiano. A morte absurda da médica foi chorada por seus mais próximos e por todos que valorizam a vida humana como um dom inviolável.
Ora, essa é a reação natural de toda sociedade civilizada e solidária. Mas há aqueles que pensam diferente e atribuem à vida uma escala de valores. Como os que assim se manifestaram: “Não. Não haverá passeata. Não haverá manifestação. Pneus não serão queimados. Vias não serão fechadas. BRTs não serão quebrados. Sabe por quê? Porque ela não morava em ‘comunidade’. Não era uma ‘pobre coitada’. Não era ‘vítima da sociedade ou do capitalismo’. Não fazia parte das ‘minorias’.”
Lamentável ouvir esses comentários que demonstram uma escala hierárquica de valorização da vida. Finda a vida, todos viramos pó, não importam classe social, cor da pele ou preferência sexual. Então por que nos fazemos desiguais enquanto vivos?
O fato de uma pessoa ser mais ou menos produtiva pode contar numa sociedade de consumo, onde tudo, inclusive a vida, tem seu preço, mas não pode ser motivo de escala na valorização da vida. Pensar que um cidadão vale mais que o outro pela quantidade de impostos que arrecada é medir o ser humano com a régua dos exploradores e violadores dos direitos humanos. Atenção, eu disse direitos humanos; antes de se excluir, pense em que categoria se enquadra caso rejeite ser sujeito dos direitos humanos.
Nossa sociedade tem por vocação e obrigação constitucional assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Não há como separar as pessoas entre cidadãos produtivos e inúteis, beneméritos e perniciosos, uma vez que a felicidade só será alcançada quando não houver injustiça social e qualquer tipo de desigualdade econômica, além do respeito entre diferentes.{TEXT}
Siro Darlan é desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia