Por thiago.antunes

Rio - Imagine um país cujo povo assiste apaticamente a todos os abusos de poder, aumentos de impostos, suspensões de direitos, roubalheiras oficiais, armações de todas as espécies e corrupção em todos os níveis. Por isso mesmo, seus políticos e autoridades vão se enchendo de dinheiro público, sem medo de punição, tratando de se perpetuar no poder e chutando para escanteio os ladrões que queiram fazer concorrência.

Bom...não precisa imaginar muito. Esse país já existe. Chama-se Bruzundanga e foi imaginado por Lima Barreto (1881-1922), o mais crítico de todos os escritores cariocas e um dos meus heróis. Por isso mesmo, não é pura coincidência qualquer semelhança de

‘Os bruzundangas’ com este Brasil que a gente conhece. O que acontece hoje por aqui é apenas um sinal de que as moscas mudam, mas a matéria de que é feita a nossa sociedade continua a mesma há muito tempo. Os ratos fazem a festa, sejam eles federais, estaduais, municipais, etc etc etc.

É por essas e por outras que recomendo veementemente o livro ‘Lima Barreto — Triste visionário’, de Lilia Moritz Schwarcz (trabalho de fôlego, como todos os outros produzidos por ela). Lima é o tipo do sujeito que todos os cariocas precisam conhecer até mesmo para que se reconheçam como sujeitos, e não apenas como objetos inúteis de sua história.

É isso que estamos sendo, afinal: bonequinhos de ventríloquos, massa de manobra, patinhos amarelos sem dignidade, incapazes de ensaiar qualquer reação à exploração cotidiana que nos é jogada na cabeça.

De onde quer que esteja, Lima Barreto está assistindo a tudo sem se surpreender e, pior, lamentando profundamente que não tenhamos aprendido nada, nada, nada com a sua Bruzundanga. Pelo contrário, até. Parece mesmo que só os bandidos aprenderam algo.

Tanto que a escritora paraibana Andrea Nunes imaginou uma história incrível, partindo da ideia de que o plano mais ousado do crime organizado seria tomar o poder central do país — e isso, claro, só pode ser exequível no mundo da ficção. Ou não?

Em ‘A corte infiltrada’, ela conta como um jornalista descobre alguns podres no coração do Supremo Tribunal Federal, aquela caixa-preta que pode controlar a todos e que não é controlada por ninguém. Ou seja, é o local ideal para quem tem planos macabros, e é nesse cenário que a trama se desenvolve.

Aproveitando sua experiência como promotora de Justiça, Andrea costurou um thriller assustador porque quase tudo que ela imaginou pode estar, de fato, acontecendo. A esta altura da vida, não duvido de mais nada. Uma pena.

Nelson Vasconcelos é jornalista

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