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Por Gabriel Chalita Professor e escritor

Era um sábado à noite. O diretor da peça, Tadeu Aguiar, estava na entrada, recebendo as pessoas. Mulheres e homens vinham chegando de lugares diferentes do Rio de Janeiro para assistir ao musical em homenagem a Bibi Ferreira.

Algumas senhoras comentavam sobre os dias difíceis da cidade. A violência parecia ser o ponto central das conversas. Cenas assustadoras compunham um palco de abandonos e malfeitos. A cidade mais linda do mundo estava prostrada. Seus filhos com medo de sair de casa. Quantas vidas interrompidas prematuramente, quantas lágrimas molhando as famílias enlutadas!

No palco do teatro, a cena era outra. A estrela Amanda Acosta é Bibi Ferreira. Impecável. Com ela, um elenco que sabe o que faz traz a história de uma inspiradora. Nascida Abigail, elevou-se a Bibi desde sempre. Filha de Procópio Ferreira, sofreu os preconceitos de uma elite que não compreendia o significado do teatro. Proibida de estudar em uma escola, tornou-se professora dos talentos. Deu vida a personagens, com profissionalismo e paixão. O palco sempre foi seu confidente. Dos amores partidos. Das histórias que gostou de contar. Dos desassossegos tantos que lapidam a alma de um artista. Ela é nossa artista maior. Sua voz fez renascer Piaf, Amália, Sinatra. Sua atuação ensinou que "qualquer desatenção pode ser a gota d'água".

Fez mais. Cantou os excluídos em 'My Fair Lady', o glamour em 'Hello Dolly', a saudade em tangos espanhóis. Apresentou programas de televisão. Entrevistou com conteúdo e elegância. Viveu e vive a vida como um presente de Deus. Os fracassos, exigiu que partissem rapidamente. Nunca teve tempo para lamúrias. Os sucessos, recebeu-os com humildade. Generosa, dirigiu e incentivou tantos outros a prosseguir. A buscar o melhor em cada um deles.

A peça terminou. Que pena. Na plateia, os aplausos eram de gratidão por estarem ali. As senhoras que falavam sobre violência, antes do espetáculo, comentaram sobre a saudade de um outro Rio de Janeiro. Mais romântico, mais vagaroso, mais humano. As expressões franzidas deram espaço a sorrisos. Disse uma à outra: "Nossa, como eu estou leve, como esse musical me fez bem".

Eis a resistência!

A arte é redentora da humanidade. É a porta-voz da elevação. Estamos ajoelhados diante dos medos e da ausência da esperança. A arte nos põe de pé. Ela nos faz olhar para o amanhã. Para 'O homem de La Mancha', também vivido por Bibi, levando-nos a prosseguir quixotescamente, enfrentando moinhos de vento e muros de horror.

Sim, os erros dos que exercem o poder constroem muros que separam pessoas. Umas das outras e elas de seus sonhos. Bibi Ferreira é também uma construtora, mas de inspirações. Aos 95 anos, empresta sua voz e seu talento para trazer a tal leveza que aquelas senhoras comentaram ao final do espetáculo.

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