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Rio - Este é o título da propaganda de uma conceituada escola de Educação Infantil do Rio de Janeiro, veiculada em alguns jornais, no último domingo. No subtítulo, uma frase em inglês: "Empowering children to build a better world", o que significa, numa tradução livre, 'empoderando a criança para a construção de um mundo melhor'. Havia ainda um texto explicando os diferenciais da instituição: atividades bilíngues diárias, estímulos afetivos, físicos, cognitivos e sensoriais, movimentos exploratórios com recursos tecnológicos, adaptação e atendimento individualizado. Logo nas primeiras linhas do tal texto explicativo ficava clara a concepção de infância da escola: "Para os bebês, o futuro começa a cada instante". Ilustrando toda a publicidade impressa, havia um par de sapatinhos de tricô, com turbinas de avião ao lado, voando entre as nuvens.

Com todo o respeito à instituição, mas será que é isso mesmo que os pais e/ou responsáveis querem para seus bebês, esperam da creche, da Educação Infantil? É bem verdade que há realmente, nos dias de hoje, uma preocupação das famílias, já no berçário, com a performance das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Preocupação também com todos os cursos possíveis que possam ser preenchidos na agenda dos bebês/crianças do balé à natação, do Kumon ao inglês, do judô ao piano, passando pelas aulas de arte. Num mundo competitivo em que vivemos, a preocupação com o futuro dos filhos e filhas é bem legítima. Mas, convenhamos, não deveria ser desmedida como se constata. É muita pressão. São famílias que se cobram e cobram demasiadamente suas crianças. Que o digam alguns terapeutas e psicólogos que vivem com seus consultórios cada vez mais cheios. Talvez, a instituição, autora da publicidade, esteja apenas fazendo uso das palavras da moda para 'conquistar' esse novo perfil de responsáveis.

Mas atenção: trata-se de um ledo engano. Crianças e principalmente bebês precisam, sim, de interação, com adultos e outros meninos e meninas de sua idade. Precisam de estímulos afetivos, físicos, cognitivos e sensoriais, como diz a publicidade? Correto. Porém, isso deve ser algo natural. É biológico e, portanto, saudável, respeitando o tempo e o ritmo de cada bebê/criança. Estudos daqui e de fora do Brasil ratificam que os bebês, assim como as crianças, necessitam ter experiências reais com os outros e com a natureza. Precisam vivenciar a realidade e não, por exemplo, assisti-la, conhecê-la ou praticá-la por meio de recursos tecnológicos. Pediatras brasileiros e norte-americanos condenam os usos das telas até os 3 anos. Pesquisas apontam e indicam que os bebês e as crianças constituem conhecimentos e valores a partir e com a interação humana e que, neste sentido, não há melhores mediadores do que os próprios pais e/ou responsáveis.

Arrisco dizer que a melhor forma de 'empoderar' as crianças para construir um mundo melhor seria potencializar o convívio delas com os pais e/ou responsáveis. A presença é fundamental e de certa forma deveria ser obrigatória para construirmos o tal mundo melhor. Certamente, o problema é o cenário desigual e injusto em que vivemos. Como seria bom, importante e necessário os pais não precisarem das creches (por tantos períodos e horas) para deixarem seus filhos numa fase tão importante para eles e para nós (e aqui nem entro em outra questão polêmica: a remuneração dos profissionais da Educação Infantil que ficam com os nossos bebês e crianças; remuneração nem sempre justa e à altura da responsabilidade). E como seria espetacular termos tempo e condições financeiras que dessem e garantissem toda a infraestrutura física e emocional para termos por perto, 24 horas por dia, nossas crianças.

Não estou dizendo aqui que as creches, a Educação Infantil institucionalizada, são ruins, que não estão comprometidas com o crescimento dos bebês e crianças. Estão. Mas, sinceramente, precisamos nós e, principalmente, as escolas repensar os limites, controlar as ansiedades e estabelecer o que realmente queremos do presente e do futuro. Precisamos repensar o que significa 'empoderar' nossas crianças para um mundo novo e melhor, onde não exista desigualdade, fruto da competitividade e da rivalidade, mas paz, solidariedade, respeito e, acima de tudo, leveza de viver.

Marcus Tavares é professor e jornalista

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