Luís Pimentel, colunista do DIA - Divulgação
Luís Pimentel, colunista do DIADivulgação
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Rio - Liberino pegou o quentão da Itapemirim, em Capim Grosso, lá nos confins da Bahia, e desembarcou na Rodoviária Novo Rio com uma mão na frente e outra atrás. A de trás escondia a gaiola, embarcada graças à simpatia do motorista, um conterrâneo. O coleirinho era amizade antiga, seu canto o acordava e dava forças, essas razões a que o coração obedece e a alma agradece sorrindo.

A mão da frente enxugava uma lágrima e coçava a cabeça. E foi assim, entre perdido e patético, que o anjo o encontrou. Alguém aí acredita em anjo (tá na moda, de novo)? Eu acredito.

Agitou as asinhas, leu a angústia do outro nas gotas de suor e foi logo dizendo: "Bora lá, irmão. Vou te levar pro Paraíso".

O Paraíso era um hotelzinho de placa caída e escadarias sujas, num beco de onde se ouvia o repique do Elite, sentia-se o cheio agridoce das meninas na Estudantina, e apreciava vestidos longos a caminho do João Caetano e bundas de fora na direção do Carlos Gomes.

Liberino descansou a gaiola aos pés do Monumento a Pedro I.

Contemplava as moças que seguiam pela Rua da Carioca, para ouvir João Nogueira e Moacyr Luz nos 'Encontros' idem, antes do beijo no umbigo da vedete que soprava uma pena pequena no Cinema Íris, quando o Anjo reapareceu: "Fica esperto, baiano. Foi aqui que enforcaram o Tiradentes!".

Não foi ali, mas numa arapuca da Avenida Passos o que não faz a menor diferença.

Daí a pouco, Liberino já estava no bar A Paulistinha, logo ali na Gomes Freire, apreciando a mesa de luxo onde pontificavam Zinho, Manola, Aziz Ahmed, Sandro Moreira, Arthur Rocha, Hélio Gordo, Ivan Bella e Miranda Jordão. A área ainda não era de segurança máxima, e na Lavradio imperavam os cabarés de bandidos (do bem); isto muito antes dos botecos dançantes e cantantes de grife, claro. Era ali que Nelson Cavaquinho entornava as últimas antes de embicar, os cabelos brancos nas gramas pretas, rumo aos cafofos da Rua Barão de São Félix, por trás da Central.

Foi amor à primeira vista.

Liberino encantou-se com a fauna que Deus põe no mundo e nas praças, variada, exatamente para que o sol e a lua não briguem. Namorou uma mulher de louça, outra de tromba, amparou um menino que vendia a alma, rezou com uma cigana que não viu o seu destino. Ao fundo, sempre a Praça Tiradentes, Adão e Eva soltando os cachorros nos quartinhos do Hotel Paraíso.

Dia desses voltou por lá, aplaudindo a nata da novíssima e talentosa geração que embala a música brasileira no Centro Cultural Carioca, e ficou comovido ao constatar que o progresso nem sempre é ruim; a praça estava um brinco, acha até que ouviu o coleirinho cantando aos pés do imperador.

Luís Pimentel é jornalista e escritor

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