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Por Marcus Tavares Professor e jornalista

O fato ocorreu em fevereiro deste ano, mas vale a pena recordá-lo. Durante a semana de moda de Milão, na Itália, uma empresa muito chique e internacional inovou: no lugar de modelos, usou drones. Os dispositivos voadores entravam na passarela carregando a nova coleção de bolsas outono/inverno. As imagens foram amplamente divulgadas pela imprensa. Talvez, você tenha visto.

Do ponto de vista mercadológico, uma estratégia bem interessante e, na verdade, acertiva face à vida contemporânea que se apresenta nos dias de hoje. Mas é possível ir além desta simples constatação. Penso que ela também exprime, por outro lado, o poder e o fascínio que a sociedade capitalista - e nós consumidores, é claro - concedemos às coisas, aos objetos que estão à nossa volta no mundo atual.

Penduradas nos drones e atravessando a passarela, as bolsas pareciam ganhar vida própria, num espetáculo único de sons e luzes. Vejam bem: bolsas tão 'poderosas', 'suntuosas' e 'únicas' capazes, inclusive, de dispensar as modelos, até então as estrelas de cada desfile.

Quando vi as imagens logo me lembrei dos conceitos do sociólogo Karl Marx. Mais especificamente do termo que ele cunhou: o fetichismo da mercadoria. Em sua obra "O Capital", publicada em 1867, o autor, em linhas gerais, afirma que a mercadoria, no novo mundo do capitalismo, perdia o seu valor real, fruto do trabalho humano, e recebia, em contrapartida, uma valoração irreal e infundada. Resumindo: a mercadoria perdia sua relação com o trabalho e ganhava vida própria.

Pare e pense: tudo a ver, não? É possível afirmar que de lá para cá esse 'fetichismo da mercadoria' só aumentou. Fato é que, às vezes, nem nos damos conta. Sabemos que as mercadorias/os objetos que compramos variam de preço em virtude, por exemplo, da qualidade do material, da originalidade e do tempo investido em sua produção. Mas também deveria ser do nosso conhecimento que o valor do produto agrega 'essa valoração', que Marx dissertou, que não é mensurada na ponta do lápis. Uma valoração que está ligada, muitas vezes, a uma ideia, ideologia, identidade atribuída à marca que são construídas intencionalmente para potencializar o nosso interesse, a nossa curiosidade, ou seja o nosso consumo.

Tais estratégias fazem parte do nosso cotidiano. Não precisamos demonizá-las. O importante, e bastante necessário, é estar ciente delas, saber que há sempre uma intencionalidade por detrás de tais projetos e, principalmente, promover e garantir um diálogo continuo e constante com as crianças e os jovens, geralmente o público-alvo. Por vivermos num mundo tecnológico e de um sem número de experiências e interações, muitas vezes, nos iludimos com o conhecimento e a percepção de mundo que achamos que as crianças e os jovens têm. Sim, são mais informados, conectados e antenados, mas necessitam, sim, de nossa interação, mediação, comunicação.

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