Luís Pimentel, colunista do DIA - Divulgação
Luís Pimentel, colunista do DIADivulgação
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Rio - A primeira coisa boa que vi recentemente foi no cinema: o fundamental 'Torquato Neto - Todas as horas do fim'. Para quem, como eu, é fã da escrita anárquica e tropicalista (em letras que fizeram brilhar canções de Gilberto Gil, de Caetano Veloso ou de Edu Lobo, ou ainda em sua poesia absolutamente solta e intuitiva) do piauiense com sotaque de baiano e ginga ipanemense de carioca, o documentário escrito e dirigido por Eduardo Ades e Marcus Fernando é algo imperdível. Torquato viveu apenas 28 anos (suicidou-se na noite em que comemorou o aniversário) e deixou versos como "Mamãe, mamãe, não chore/ Não chore nunca mais, não adianta/ Eu tenho um beijo preso na garganta/ Eu tenho um jeito de quem não se espanta" (em "Mãe Coragem", com Caetano), "Alegria é a prova dos nove/ E a tristeza é teu porto seguro/ Minha terra é onde o sol é mais limpo/ E Mangueira é onde o samba é mais puro" ("Geleia Geral", com Gil), "Adeus, vou pra não voltar/ E onde quer que eu vá/ Sei que vou sozinho" ("Pra dizer adeus, com Edu) ou "Eu sou como eu sou/ Pronome pessoal intransferível/ Do homem que iniciei/ Na medida do impossível", no livro póstumo 'Últimos dias de Paupéria'.

Também vi uma peça de teatro: 'Um dia como os outros', escrita lindamente pelo casal de atores, roteiristas e dramaturgos franceses Agnés Jaoui e Jean-Pierre Braci. No elenco equilibrado e impecável, destaco as figuras femininas (sem machismo) Analu Prestes, Silvia Buarque e Bianca Byington (que ainda divide a direção com Leonardo Netto), porque mais me impressionaram. O texto, costurado a partir de um jantar de família (que família!) para comemorar o aniversário de um membro. Conflitos regados a dramas, humor, diatribes, desequilíbrios e surpresas começam a transbordar, no exercício admirável de carpintaria dramatúrgica. Clap! Clap!

E ouvi um discaço: 'Aracy de Almeida, a rainha dos parangolés'. O cantor e compositor Marcos Sacramento cultiva, há pelo menos duas décadas, voz linda e profissionalíssima, uma das melhores de sua geração. Compositor, instrumentista e arranjador, Luiz Flavio Alcofra é músico refinado, violão querido e desejado nos palcos ou nos estúdios. Em 2014 se juntaram no projeto - a convite do Sesc Belenzinho-SP - de homenagear o centenário de nascimento de Aracy de Almeida, a 'Araca', que marcou época no rádio e na discografia brasileiros, gravando sempre os melhores criadores (Noel Rosa, Wilson Batista, Pedro Caetano, Ary Barroso...) do nosso cancioneiro. O resultado é um show inesquecível, que fez e está fazendo carreira por aí, agora documentado no álbum  'Aracy de Almeida - A rainha dos parangolés' (Acari Records). Um pedaço do melhor do repertório da deliciosa 'parangoleira' está registrado e imortalizado na voz inconfundível de Marcos e nas cordas supimpas do maestro Alcofra. Como registrou o cantor e pesquisador Pedro Paulo Malta, trata-se do "encontro iluminado" de "fiéis herdeiros do Samba em Pessoa, dois matusquelasque, como diria Aracy, não restam a menor dúvida". A gente acaba de ouvir o CD e se pergunta: "Por que não corri atrás muito antes?!" Mas nunca é tarde.

Luís Pimentel é jornalista e escritor

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