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Por Luis Pimentel Jornalista e escritor

Quando Chico Buarque abriu e fechou o seu show mais recente, 'Caravanas', cantando "Minha embaixada chegou/ Deixa meu povo passar/ Meu povo pede licença/ Pra na batucada desacatar", muita gente se perguntou que versos eram aqueles. São de 'Minha embaixada', do genial compositor Assis Valente. É um samba cheio de vida e de alegria, de um criador que não era alegre.

Talvez ninguém tenha tentado contra a existência (era assim que se dizia, está até no lindo samba de Luís Reis e Haroldo Barbosa, "Tentou contra a existência, num humilde barracão, João de Tal...") quanto Assis. Foram três tentativas; na última, há exatos 60 anos (dia 6 de março de 1958), a mistura de guaraná com formicida encerrou a carreira musical de uns dos mais inspirados criadores que a Bahia exportou, a música brasileira adotou e Carmem Miranda se fartou de gravar.

As tentativas de suicídio anteriores - cortando os pulsos e atirando-se do Morro do Corcovado - serviram só para os jornais deitarem e rolarem, as revistas de fofocas encontrarem "assunto relevante", e reforçar, na biografia do artista, sua fama de atormentado. São inúmeras as falas de contemporâneos seus, artistas ou não, amigos ou não, aludindo a um certo temperamento "difícil", "arredio", "misterioso" e até "indeciso" de Assis Valente. Para alguns, dificuldades de se entender e relacionar com a própria sexualidade motivavam o provável "tormento". Assis foi casado e teve uma filha; casamento e paternidade que geraram muita fofoca, maledicências, azedumes e polêmicas.

Mas o que ficou e o que conta é que José de Assis Valente foi um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Há confusões de registros quanto ao seu nascimento. A maioria das referências diz que foi em 1911, mas seus biógrafos Gonçalo Júnior e Francisco Duarte garantem que foi em 1908 - única data que conta com pelo menos uma prova, a certidão de nascimento reproduzida no livro 'A jovialidade trágica de José de Assis Valente' (Martins Fontes/Funarte, 1988), de Francisco Duarte Silva e Dulcinéa Nunes Gomes. Há confusões também quanto à verdadeira cidade de nascimento, que pode ter sido Salvador, Santo Amaro ou Alagoinha.

Sobre uma informação posso garantir que não há confusão nem controvérsias: 'Fez bobagem' ("Meu moreno fez bobagem/ Maltratou meu pobre coração"), 'Brasil pandeiro' ('Brasil, esquentai vossos pandeiros/ Iluminai os terreiros/ Que nós queremos sambar"), 'Boas Festas' ("Papai Noel / Vê se você tem / A felicidade / Pra você me dar"), 'Camisa listada' ("Pegou meu saco de água quente pra fazer chupeta/ Rasgou minha cortina de veludo pra fazer uma saia") ou 'Uva de caminhão' ("Caiu o pano da cuíca em boas condições/ Apareceu Branca de Neve com os sete anões/ E na pensão de Dona Estela foram farrear/ Quebra, quebra, gabiroba, quero ver quebrar") estão entre os momentos mais ricos do nosso cancioneiro. Quanto a isso, não adianta fofoca, maledicências, azedumes ou polêmicas.

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