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Por Julia Bartsch Presidente do Conselho Administrativo de MSF-Brasil Vitória Ramos Analista em Assuntos Humanitários de MSF-Brasil

Milhares de brasileiros possuem um coração grande, mas sequer sabem disso e nem imaginam que essa pode ser a causa de sua morte. A afirmação nada tem a ver com uma pessoa generosa ou boa, mas, sim, com a falta de atenção das autoridades de saúde a uma enfermidade que muitos acreditam ser coisa do passado: a Doença de Chagas.

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, estima-se que haja entre 1,9 milhão e 4,6 milhões de pessoas afetadas pela doença. Esse número possivelmente é ainda maior, já que somente duas em cada dez pessoas foram diagnosticadas.

Amanhã, 14 de abril, comemora-se o Dia de Luta contra Doença de Chagas. A "mais brasileira das doenças" foi descoberta pelo pesquisador Carlos Chagas há exatos 109 anos. Mais de um século depois, os desafios permanecem.

A resposta para a Doença de Chagas, por muitas décadas, se concentrou na sua prevenção: ações de controle do vetor transmissor da doença - o inseto popularmente conhecido como "barbeiro" - e melhoria das condições sociais e habitacionais das populações em situação de maior vulnerabilidade.

Essas medidas reduziram drasticamente os novos casos, mas não são suficientes. Quando evolui para sua fase crônica, a doença pode acompanhar a pessoa por toda a sua vida e trazer sérios problemas nos sistemas cardíaco (como a cardiomegalia, ou coração dilatado) e/ou digestivo.

A doença pode ser curada, principalmente em infecções recentes. A adoção de políticas para a ampliação do diagnóstico nas redes públicas poderia salvar milhares de vidas.

Nós, de Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização humanitária que atua em mais de 70 países, temos apontado insistentemente ao governo brasileiro a clara importância de que assuma esse compromisso. MSF desenvolveu projetos de atenção aos afetados pela Doença de Chagas de 1999 a 2016, em diversos países, como Bolívia, Guatemala, Honduras, México e Nicarágua. No Brasil, já realizamos treinamentos de profissionais da área de saúde, além de compartilhar nossas experiências e boas práticas com outras instituições que trabalham com a temática.

Acreditamos ser preciso integrar a Doença de Chagas na atenção básica de saúde. Ações como incorporar o diagnóstico da doença nos exames de pré-natal, para prevenir casos congênitos, bem como tornar obrigatória a notificação de casos crônicos, para que se conheça melhor a realidade epidemiológica do país, são urgentes e necessárias.

Sabemos que políticas públicas se fazem também com conscientização e mobilização popular, que, por sua vez, começam com a informação sobre o problema. Nesse ponto, ainda temos muito trabalho pela frente.

Uma avaliação realizada por MSF, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, levantou informações sobre os serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a sua atual capacidade de atenção para as populações afetadas por Chagas e os principais desafios enfrentados no acesso ao diagnóstico e tratamento. O estudo foi realizado em seis cidades com histórico de casos e/ou centros de referência para tratamento.

Entre outros dados, o estudo revelou que, em um universo de 53 pessoas em tratamento entrevistadas, 55% não tiveram nenhum tipo de informação sobre a doença antes de receber diagnóstico. Entre usuários do SUS, não necessariamente afetados por Chagas, o índice de desconhecimento era de 70% dos 177 entrevistados. Dentre os 22 profissionais de saúde da atenção básica consultados, apenas 32% conheciam o procedimento para diagnóstico da doença.

Há muita coisa a ser feita para mudar essa realidade, inclusive disseminar informação para lembrar às pessoas que a Doença de Chagas existe e que deve ser enfrentada como o grave problema de saúde pública que é.

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