Incapaz de solucionar a execução da vereadora Marielle Franco, o Estado opta pelas operações midiáticas. Entrar em favela, deixar corpo no chão ou promover prisões em massa para aparição no noticiário é a especialidade. Causa estranheza que prisão em massa de supostos milicianos não haja entre eles agentes do Estado. A atuação do Estado à margem da lei é o ingrediente principal na produção de justiceiros ou milicianos. O primeiro grupo de homens autorizados a matar, designado 'esquadrão da morte', foi montado em 1957 no Rio de Janeiro e tinha um general no comando. O grupo foi ampliado e o governador Carlos Lacerda o condecorou como 'Homens de ouro da polícia'. Difundiram-se para a repressão política e formaram outros grupos: mãos brancas, grupos de extermínio e justiceiros. Este foi o processo de desenvolvimento do terror paramilitar que hoje se denomina milícia.
Milícia é grupo privado em associação com agentes públicos. A partir de 1995 os grupos privados foram combatidos e ampliada a estatização. Até então "matadores privados" usavam armas apreendidas e acauteladas em cartórios criminais e, para um toque de oficialidade, alguns tinham carteira de oficial de justiça 'ad hoc' que garantia porte de arma. Em tempo anterior, na Baixada Fluminense, um promotor do júri era sócio de um comandante de batalhão de policia numa distribuidora de bebidas. Policiais e ex-policiais faziam a segurança do depósito e nos caminhões de entrega.
Marielle se opunha à truculência do Estado e dos grupos tacitamente legitimados a praticar ilegalidades a pretexto de prestar segurança. Ela não foi vítima de uma bala perdida, atingida durante um assalto ou vitima de feminicídio. Marielle foi executada por mãos profissionais. Somente a interface de agentes do Estado com ex-agentes ou a indústria da morte seria capaz de tal atrocidade.
Numa sociedade marcada pela contraposição do ódio à generosidade, da dieta à fome, da riqueza à pobreza, do latifúndio improdutivo ao sem terra, da especulação urbana imobiliária ao sem teto, Marielle difundia o desejo de viver com abundância. Ela se dispôs a ocupar um lugar que somente numa democracia poderia ser por ela almejado. Os donos das coisas e seus capangas não permitiram o sonho coletivo que ela sintetizava.