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Por Gabriel Chalita

A vizinha de Amanda, Malu, uma mulher alguns anos mais velha, tornou-se sua conselheira. E aí surgiram os problemas. O marido, Felipe, sempre demonstrou ser Amanda a mulher que escolhera para viver as estações da sua vida. Eram felizes nas diferenças. Felipe, um trabalhador contumaz. Amanda, em meio a ditos brincalhões, falava que o bem da vida estava no ócio, no nada fazer, embora trabalhasse também. Felipe sorria das infantilidades da mulher. A paixão minimiza as contrariedades.

Como tinha mais tempo que Felipe, Amanda vivia de conversas com Malu. Malu, abandonada pelo marido, considerava as relações estáveis um engodo. Necessariamente, desconfiava de qualquer história de amor. E foi ela, quem começou a fazer brotar as dúvidas na mente frágil de Amanda.

Por que o marido voltava tarde demais? Por que o marido dava menos presentes do que no passado? Por que o marido insistia em não ter filhos? Por que o marido viajava?

Chegava do trabalho, Amanda, e a voz de Malu acendia nela os piores sentimentos. Chegava o marido e vinham as perguntas, as insinuações, as acusações. No início, pensou o marido que se tratava de uma crise. Deixou de lado. Amava a mulher. Insistiu que trabalhasse mais e que ouvisse menos as vozes maledicentes. Amanda irritou-se. Malu era sua melhor amiga. O marido foi ficando mais ausente. O amor, apenas, não resolve. Relações precisam de admiração, de confiança, de cumplicidade.

Malu começou a semear necessidades para Amanda. Precisava dar passos certos para garantir direitos em uma separação. Felipe confiava plenamente em sua mulher e jamais imaginou viver qualquer situação de desonestidades. Os dias, antes de Malu, eram lindos. As vozes, antes de Malu, eram de bondade.

Demorou Felipe para saber de onde vinham as tempestades. Até que um dia. Um dia de sol triste, ele resolveu partir. Partiu partido. Foram tantas as ameaças da mulher, foram tantos os ódios revelados, que ele sentiu não ser mais aquele o seu lugar.

Ao contrário do que Amanda imaginava, não havia outra mulher. Só não tolerava ele as teias que o aprisionavam. Vasculhou ela os seus compartimentos sagrados, impediu ela que ele sorrisse como outrora, quando se conheceram.

Malu era cuidadosa no dito maldito. Uma dúvida plantada aqui, um comentário estranho lá, uma ideia destrutiva solta. E despedia-se. Tinha que colocar o feijão no fogo. E Amanda, com seus cremes no rosto, não enxergava a beleza da sua inocência.

Infelizes são adversários valentes da felicidade. É preciso tomar cuidado. Uma voz que perturba é capaz de estragos incalculáveis.

A mãe de Amanda, que mora longe, chegou ontem. A filha, pouco havia dito sobre a separação. Resolveu contar tudo. Deu detalhes do que conseguiu guardar de provas para conseguir dinheiro do marido que partiu. Falou com os ódios que lhe faziam companhia.

A mãe ouviu cada pequeno pingo de incorreção. Olhou-a com um olhar muito diferente do de Malu. Falou baixinho. Sem pretensões de dominar a verdade. Lembrou dos tempos de amor. Dos dias felizes que viveram juntos. Das delicadezas. Do sensível exercício do cuidar.

A filha ouvia e chorava. No início, dizia frases como: "Vou acabar com ele". Aos poucos, foi tornando serenos os sentimentos desarrumados.

A mãe buscara tirar os entulhos que cobriam a ética que ela plantara com tanto cuidado na educação da filha. Não. Ela não deveria fazer nada contra o marido que se foi.

Com euforia súbita, disse Amanda que o procuraria. Que voltaria com ele. Que seriam novamente felizes.

A mãe, com suavidade na voz, sugeriu que esperasse um pouco, um tempo de reconstrução. Era preciso aguardar a calmaria.

A filha deitou-se no colo da mãe e pediu que ela contasse alguma das histórias que, um dia, embalaram seus medos. Cena linda de amor.

Na casa ao lado, Malu, sozinha, via televisão. Com raiva.

 

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