-
Por Luís Pimentel Jornalista e escritor

F oi num 4 de maio que nem esse, só que há muitas e muitas décadas (em 1937) que o Brasil e a música brasileira perderam um compositor genial, chamado Noel Rosa. Tão genial que, apesar dos mais de oitenta anos passados, ele jamais foi esquecido. Sua obra é regravada a todo instante, por artistas consagrados ou por jovens intérpretes. Há sempre alguém prestando merecidas e inspiradas homenagens a ele, em discos ou em shows (no momento, Teresa Cristina e Carlinhos 7 Cordas revivem suas canções eternas em temporada nos palcos do Rio). Afinal, Noel viveu apenas 27 anos (incompletos), mas deixou uma obra de tirar o fôlego de qualquer um: mais de duas centenas de músicas, todas com uma garantia de qualidade jamais questionada por quem quer que seja.

O autor de momentos sagrados da MPB, como 'Conversa de botequim', 'Pra que mentir?', 'Pela décima vez', 'O orvalho vem caindo', 'Silêncio de um minuto', 'Feitio de oração', 'X do problema' e de tantos, tantos outros, veio ao mundo marcado (e para sempre) pelo fórceps que lhe fraturou e afundou o maxilar inferior. Carioca, nasceu na Rua Teodoro da Silva, em Vila Isabel, filho de um gerente de loja de roupas (Manuel Rosa) e de uma dona de casa (Marta de Medeiros Rosa).

Noel teve infância de menino classe média no Rio daqueles anos de início de século (nasceu em 1910), com direito a escola, alimentação na hora certa, roupas bem passadas e lazer. Estudou em bons colégios e chegou à Faculdade de Medicina. Chegou, mas não ficou. O samba (que não se aprende no colégio) falou mais alto.

A Medicina perdeu um doutor, mas a música brasileira ganhou seu mais inspirador compositor.

A primeira música foi gravada em 1928 (neste ano, do outro lado da linha do trem, Cartola, Cachaça e outros bambas estavam criando a Estação Primeira de Mangueira) e chamava-se 'Ingênua', uma valsa. Dois anos depois estourou com a irreverente 'Com que roupa?'. Em 1931, ainda tentando conciliar as atividades de estudante de Medicina com as de compositor, cantor, boêmio e namorador inveterado, gravou mais de 20 músicas e viu seu nome consagrado, sobretudo por conta da divertida 'Gago apaixonado' (Mu-mu-um-um-mulher/Me fi-fi-fi-zeste um estrago).

Daí em diante, era Noel Rosa, o poetaço da Vila e do mundo, pontificando no Café Nice, nos bares da Lapa, no teatro de revista, no Theatro Central, nas principais emissoras de rádio, polemizando com Wilson Batista (outro gigante), namorando coristas e produzindo sem parar. Numa época em que uma simples tuberculose matava, o Poeta da Vila bebeu muito sereno - sempre acompanhado de um bom traçado, um conhaque e a cervejinha de fé - e descuidou do peito. Tentou salvar os pulmões nos inúmeros recantos de recuperação então existentes, mas não conseguiu.

O coração mais inspirado que já bateu na MPB fez silêncio na casa dos pais, na mesma Teodoro da Silva onde nasceu, deixando uma multidão de fãs órfãos e de mulheres apaixonadas.

Você pode gostar
Comentários