Reis Friede, presidente do TRF2 - Divulgação
Reis Friede, presidente do TRF2Divulgação
Por Reis Friede

Quando um Estado "fraco" se curva perante determinadas pessoas "fortes", chegando ao cúmulo de "negociar" com o réu as condições de sua própria prisão, como se com ele travasse uma "queda de braço", forma-se um perfeito caldo de cultura para que outras pessoas também decidam não cumprir as leis editadas pelo ente estatal. O fenômeno Estado "fraco" versus indivíduo "forte" está longe de conduzir à paz social, alimentando ainda mais a desordem que tão bem traduz a atual realidade brasileira.

Há, no meio jurídico, uma máxima segundo a qual as decisões judiciais devem ser cumpridas. Esta frase reflete a essência da autoridade estatal, exteriorizada, no caso, pelo Estado-Juiz, cuja respeitabilidade institucional é um atributo fundamental, dotado de assento constitucional. Assim, soa evidente que a Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que pretendeu garantir que nenhuma lesão ou ameaça ao direito poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, igualmente objetivou dotar referido Poder dos meios para o cumprimento da missão que lhe é imposta pela norma constitucional. Isso inclui o dever de respeito às decisões judiciais, ainda que elas não estejam de acordo com os anseios de uma das partes.

Por vezes, o Poder Judiciário - responsável pela aplicação das regras legais aos conflitos que lhe são submetidos à apreciação - se depara com atitudes que retratam oposição às suas ordens legais. O lamentável fenômeno, além de traduzir uma grave ofensa a um dos Poderes da República, configura um sinal de que o País caminha ladeira abaixo.

Nesse contexto, tal providência restauradora demanda, em primeiro lugar, que o Estado, reconhecendo suas inúmeras mazelas - ineficiência, desorganização, corrupção, perdulariedade, etc -, e cumprindo com o seu dever, adote ações destinadas a recuperar o conceito estatal. Sem essa conscientização por parte dos agentes do Estado - no sentido de reconhecer os próprios erros e deflagrar um processo a fim de corrigi-los -, não se chegará a lugar algum. Afinal, como se diz no jargão popular, "o exemplo deve vir de cima".

Obviamente, são muitas as dificuldades a serem superadas. E seria muita pretensão esgotá-las no âmbito das presentes linhas. De qualquer forma, estamos convictos de que o principal óbice a ser enfrentado ostenta um viés nitidamente ideológico, mas de matiz extremista, próprio dos denominados radicais de direita ou de esquerda. Lidar com radicais é sempre problemático, posto que, de um modo geral, a radicalização que lhes acomete o raciocínio inviabiliza qualquer possibilidade de compreensão dos fatos como eles se apresentam na realidade. Radicais tendem a negar os próprios fatos, quando se sabe que "contra fatos não há argumentos". A ideologia, quando se radicaliza, produz uma espécie de "metástase reflexiva", sendo que uma das características identificadas em pessoas consideradas ideologicamente radicais é a relutância delas em cumprir o Direito editado pelo Estado e, respectivamente, as decisões estatais nele amparadas.

Ao Direito compete organizar o Estado (e respectivas instituições) e estabelecer as principais regras de convivência, sem as quais a sociedade simplesmente sucumbe. Até mesmo porque, conforme amplamente cediço e retratado em filme dirigido por Marcelo Antunez, "a lei é para todos", devendo qualquer cidadão a ela se submeter.

Se por um lado o indivíduo não deve negar validade ao Direito vigente, nem se contrapor às ordens legais - sentindo-se acima da lei e da ordem jurídica -, não se admite, por outro prisma, que o Estado se "acovarde" ou se revele "fraco" quanto à sua inflexível obrigação de fazer prevalecer as normas jurídicas, por mais "fortes" que sejam determinadas pessoas, mormente as dotadas de certo poder (econômico, político, etc).

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