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Por Guillermo Gutierrez Logística e suprimentos do MSF

As pessoas se surpreendem quando ficam sabendo que não sou médico, mas trabalho na organização Médicos sem Fronteiras (MSF). Os profissionais de saúde são a cara mais visível de MSF, que conta com mais de 40 mil pessoas atuando para levar cuidados de saúde a pessoas afetadas por conflitos armados, desastres naturais, epidemias, desnutrição ou sem nenhum acesso à assistência médica. Deste total, cerca de 40% não são profissionais de saúde.

No meu caso, sou responsável pela logística de suprimentos em um campo de refugiados em Bangladesh, um país da Ásia mais ou menos do tamanho do Uruguai, mas com uma população de 160 milhões, mais de 40 vezes a do nosso vizinho. Outros 20 brasileiros também trabalham nesta função em projetos espalhados pelo mundo.

Cuido do abastecimento de suprimentos para que MSF possa prestar assistência a refugiados da etnia rohingya. Em meados de 2017 houve uma verdadeira explosão no fluxo de de membros da etnia deixando Mianmar, país vizinho a Bangladesh, por causa da violência. A estimativa é que cerca de 700 mil já tenham chegado a região de Cox's Bazar, em Bangladesh.

É óbvio que as condições para receber tantos refugiados em um país tão populoso e já com grandes dificuldades são precárias. Então, nos desdobramos para enfrentar uma realidade que, mesmo para nós, brasileiros, impressiona pela dimensão e gravidade.

Trabalho na organização desde maio de 2016 e já participei de projetos na Jordânia, Guiné-Bissau e Angola. Estou em Bangladesh desde dezembro do ano passado, e a primeira coisa que me impactou aqui foi o tamanho dos campos. É uma imensidão de pequenas tendas. Às vezes, 20 pessoas ocupam uma cabana do tamanho da sala de uma casa simples. Outra coisa admirável é como as crianças, mesmo em um ambiente de conflito, mantêm a capacidade de continuar sendo crianças, brincar e jogar bola.

É preciso muita ação nos bastidores para que os profissionais de saúde possam desempenhar bem o seu trabalho. Na maioria das vezes, a tarefa de fazer chegar os suprimentos é praticamente invisível, e é assim mesmo que tem de ser. Os desafios são muitos. Embora sempre busquemos adquirir produtos junto a fornecedores locais, pode haver pouca oferta. Outros entraves são a grande distância de centros de distribuição, restrições de transporte e armazenamento (onde há pouca infraestrutura ou em zonas de conflito). Também há dificuldades com itens sensíveis, como os que necessitam de refrigeração ou com vida útil curta.

Fora as questões do trabalho, é preciso lidar com situações que mexem com o lado emocional. No início, você fica bastante tocado, mas depois vai criando resistência. Não é questão de indiferença, mas é preciso entender que uma pessoa abalada, chorando, não vai conseguir ajudar ninguém. Por isso, você vai ficando calejado e consegue focar no trabalho e ficar invisível, como tem de ser.

No fundo, infelizmente os verdadeiramente invisíveis são os refugiados que atendemos. Os rohingya estão fugindo de Mianmar porque vêm sendo vítimas de violência. Os relatos de ataques contra os membros da etnia muçulmana, que em Mianmar não são considerados cidadãos, são aterradores, com massacres em massa, vilarejos incendiados e famílias separadas.

O acesso aos refugiados em Mianmar está vetado pelo governo. As autoridades de Bangladesh demonstram grande boa vontade em seu acolhimento, mas as limitações de recursos e de espaço são grandes. Mas apesar das dificuldades, é um privilégio trabalhar na assistência aos rohingya e tentar contribuir para que o sofrimento dessas pessoas não continue invisível.

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