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Por O Dia

Rio - Estamos vivendo tempos binários e polarizados. Era do "ou", que exclui, ao invés do "e", que aglutina e sintetiza. Era de um radicalismo que empobrece e da falta de diálogo que endurece e amplia a solidão. Era de aprendizagem pela dor, como se essa fosse a única forma de aprender. É nesse tempo que precisamos viver, conviver e implementar mudanças, acreditando que o melhor está por vir. Nesse contexto surge a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), exigindo de nós que acreditemos que as mudanças que ela propõe vão provocar melhorias na educação brasileira.

Em síntese, as mudanças são mais boas do que ruins e, com algum esforço dá até pra defender a maioria delas. O perigo é olharmos a BNCC apenas por um lado, o que nos torna ou radicais ou ingênuos demais. É preciso que mantenhamos os dois pés no chão. Destaco alguns pontos específicos que julgo importantes.

A BNCC não pode reduzir o protagonismo das escolas e dos professores de pensar e produzir os seus currículos. Ela traz o mínimo, o essencial que todos os alunos de todas as escolas brasileiras devem aprender, mas esse mínimo deve compor apenas 60% do currículo das redes públicas e das escolas particulares. Os 40% restantes devem ser discutidos e definidos com a participação dos professores. Ela precisa, sim, funcionar como impulsionadora desse protagonismo, já que a atitude do professor com relação ao currículo vem sendo progressivamente passiva ao longo dos últimos anos.

As habilidades (objetivos) da BNCC estão estruturadas em níveis básicos de cognição para facilitar a elaboração de provas padronizadas e avaliações externas, como claramente descrito no texto que fundamenta o documento, o que exige que aprofundemos o que está na Base. É, no mínimo alienante pensar que devemos ensinar apenas o que consta na BNCC.

Fiquemos atentos à oposição que a Base Curricular faz entre competências (úteis na prática) e conhecimentos desinteressados e eruditos. O texto introdutório diz que a escola deve priorizar os primeiros em detrimento dos segundos. É importante alertar para a diferença entre um currículo que parte do cotidiano e aí se esgota e um currículo que entende que conhecimento formal traz outras dimensões ao desenvolvimento humano, além do "uso prático". Cuidemos para não sermos dominados pelo radicalismo num tempo em que precisamos semear esperança, mas tampouco sejamos ingênuos.

Júlio Furtado é professor e escritor

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