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Por Wagner Victer Secretário de Educação do Estado do RJ

Uma das políticas públicas de que me orgulho de ter participado ativamente da criação é a Lei Estadual 3708/01, que estabeleceu as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro. À época, 2001, eu ocupava o cargo de Secretário de Energia, Indústria Naval e Petróleo, e integrei a equipe do então governador Anthony Garotinho, que criou a primeira lei do Brasil que adotou o sistema, em especial para UERJ e UENF, com reserva a época de 40% de vagas para negros e pardos. Na ocasião, fomos escolhidos, com os secretários de Ciência e Tecnologia, Wanderley de Souza; de Esportes e Lazer, Antônio Pitanga; e o emblemático e saudoso secretário de Cidadania e Direitos Humanos, Abdias do Nascimento, para defendermos em debates públicos e na mídia a legislação que se implantava e sofria fortes reações.

A proposta, devido a seu pioneirismo, sofreu preconceito até de membros da chamada Academia e dos "estudiosos da educação", e, nos tribunais, chegou ao STF. Porém, serviu de exemplo para o país, estimulando a adoção da ação afirmativa por governos estaduais e até pelo Governo Federal. Hoje, quase 20 anos depois e à frente da secretaria estadual de Educação do Rio de Janeiro, vejo em meu cotidiano profissional os benefícios que a medida proporcionou, em especial aos alunos da rede pública, contribuindo para a diminuição de diferenças sociais e corrigindo injustiças históricas herdadas desde o período da escravidão.

Vivenciei de perto o preconceito, pois minha "Mãe de Coração", que me criou, a Elizia, é negra. Me orgulho da criação e dos ensinamentos que dela recebi, em especial o conceito de que a capacidade de amar e de aprender não possui cor!

Quando no passado começamos os debates que antecederam a formulação da lei das cotas, era notória a necessidade de alterações nas formas de acesso ao Ensino Superior. Em 1997, pouco mais de 2% de pessoas pardas e 1,8% de afrodescendentes, entre 18 e 24 anos, tinham concluído ou faziam curso de graduação no Brasil. Era preciso ampliar as possibilidades de ingresso em cursos de graduação e as oportunidades no mercado de trabalho para negros e estudantes carentes, excluídos de universidades públicas.

Quase dez anos depois, em 2008, já no governo Sérgio Cabral, após novas adaptações, foi sancionada a Lei Estadual Nº 5.346, tal qual a conhecemos atualmente. A Lei estabelece as cotas para ingresso nas universidades estaduais do Rio de Janeiro: 20% para estudantes negros e indígenas, com aperfeiçoamentos como as questões de renda, dos alunos oriundos da rede pública e pessoas com deficiência.

Enfatizo que a lei do Governo Federal veio somente em 2012, demonstrando o pioneirismo fluminense nesta proposta de legislação, que atualmente se entende para as Escolas Técnicas Federais e Estaduais, como Faetec e outras instituições de ensino público que aplicam concursos para ingresso, inclusive as militares.

A legislação estadual prevê sua reanálise de adequação a cada dez anos, ou seja, ao final de 2018. Neste cenário e tendo em vista a importância da prorrogação desta lei, a Secretaria de Estado de Educação definiu junto ao governador Luiz Fernando Pezão e a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE), órgão a que cabe formalizar a renovação, a fundamental necessidade de mantermos essa ação afirmativa, cujos maiores beneficiados são os alunos da rede pública estadual de ensino, no que já tivemos a ampla concordância e adesão do órgão e do governador. Assim, certamente será feito.

Durante os anos de discussão para formulação da lei, é fato que muitos foram avessos a ela - e ainda são. Críticas preconceituosas foram feitas, sob o argumento de que cotas causariam um falso "empobrecimento intelectual" dos cursos de nível superior por admitir alunos que eram tachados de desqualificados. Recordo quando fiz os cursos de Engenharia, na UFRJ, e de Administração de Empresas, na UERJ, instituição pública de referência. Não existiam negros nas turmas em que me formei.

Rememoro, ainda, as pesquisas da minha amiga de bancos escolares da Ilha do Governador, atualmente renomada socióloga, Ph.D, Vania Penha Lopes, importante nome no debate sobre as cotas. Em seu livro 'Pioneiros: Cotistas na Universidade Brasileira', ela entrevistou, em 2006 e 2007, 22 alunos cotistas afrodescendentes e de escolas públicas dos cursos de Ciências Sociais e de Odontologia da UERJ. A autora relata que o desempenho desses estudantes no coeficiente de rendimento médio superou a média total em vários dos cursos.

Segundo o mesmo estudo, as cotas promoveram o aumento do número de negros nos cursos de Ensino Superior e a desistência de cotistas por falta de preparo ou adaptação não aconteceu. Aliás, o que sempre defendi em minhas palestras em prol da pioneira legislação. Na verdade, o número de evasão dos cotistas foi menor que a de outros alunos, levando a crer que os mesmos encararam o ingresso na graduação de maneira diferente dos outros estudantes e que podem se superar com o auxílio dos professores e de programas de permanência.

Atualmente como Secretário de Educação, recebo relatos de professores e diretores citando alunos que acreditavam ter poucas chances de ingressar em um curso superior e que, com dedicação, apoio e por meio do sistema de cotas, conquistaram a oportunidade de concretizar essa meta, sendo, em muitos casos, os primeiros da família a estudar em uma universidade.

Estar à frente desta instituição e participar novamente de um capítulo importante na Educação do Rio de Janeiro, em uma ação afirmativa que poderá continuar a contribuir com o acesso de dezenas de milhares de estudantes ao Ensino Superior, é legitimamente gratificante. As principais consequências do sistema de cotas são a ascensão profissional dos beneficiados e a redução das desigualdades sociais e raciais nos cursos de graduação em universidades públicas. É uma política pública de grande sucesso.