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Por O Dia

Rio - Há dias experimentei uma sensação um tanto bizarra, e emprego o adjetivo com os cuidados (e até as restrições) que a palavra pode significar para mim mesmo.

O fato é que o Instituto Cravo Albin foi procurado no Rio pelo jornalão 'The Washington Post' para explicar a seus leitores os porquês de o megashowmício nos Arcos da Lapa para Lula ter sido tão densamente prestigiado por ídolos da musica popular.

Creio que vale aqui sublinhar o motivo de o nosso Instituto ser destinatário de pergunta especificamente unicelular, quase acadêmica. Atribuo ao fato de o Dicionário da MPB, alimentado pela instituição de pesquisa desde o ano 2000, ter sido apontado por Fórum de Dicionários Mundiais, promovido pela Unesco, como o mais extenso banco de dados em música popular na Rede. E, vale o registro da originalidade, totalmente gratuito, embora acessado por quase um milhão de consultas/mês no mundo inteiro.

Pois bem, este dicionarista que vos fala foi instado a avaliar a razão de Chico Buarque liderar os astros que soltaram suas vozes para milhares de pessoas na noite carioca da Lapa boêmia.

A simples consulta ao alentado verbete do Chico no Dicionário já fazia presumir a resposta, ou seja, o grande artista se faz um ícone por duas razões de essência, a primeira, a qualidade de toda a obra, cuja altura é imutável. A segunda, a fidelidade às ideias políticas, ou seja, um comportamento pessoal de rigor com aquilo que Chico considera politicamente correto, as esquerdas - mesmo esgarçadas, mesmo órfãs de lideranças, mas ainda aninhadas pela rebeldia dos estudantes. Discordando-se ou não do ideário de Chico Buarque, ele paira acima de um fogo que, mesmo mortiço, só ele é mesmo capaz de transfigurar em labaredas.

Portanto, a liderança buarqueana pode agregar uma grande constelação de estrelas em seu redor. Evoquei ainda ao jornal americano o fato histórico de que os compositores populares que criaram a Bossa Nova, há exatos 60 anos, e logo depois participaram dos polêmicos Festivais de Musica, eram jovens universitários. Todos eles, tanto quanto os cineastas do Cinema Novo, foram alimentados pelo leite espesso da salvação ética do mundo atribuída às esquerdas, a redistribuição dos bens para todos. Afinal, o mundo se dividia em duas ideologias, capitalismo e socialismo.

Como a reportagem repercutiu largamente, estou sabendo agora que universidades americanas e europeias analisaram o assunto ao longo da semana, privilegiando a magia de Chico Buarque ao roçar a alma do elenco brasileiro de intérpretes.

Mas também antepondo a beleza de ideias puras à fealdade da corrupção patrocinada pela política partidária. A mesma que teria levado Lula a prisão. Por sucessivos julgamentos de uma Justiça ainda livre, em primeira e segunda instâncias.

Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cultural Cravo Albin

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