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Por André Luis Mansur Baptista - Jornalista e escritor

Fazer poesia na praça pública domingo de manhã, levando cultura para um distante bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. É o Projeto Cultural 'A Banca Dá Poesia', que conheci no seu início, há quase três anos, e que hoje reúne desde jovens estudantes declamando poemas ou cantando hip-hops a senhoras de mais de 70 anos que não hesitam diante do microfone livre, leve e solto para quem quiser soltar a voz. O local? Praça 7 de Abril, no bairro de Paciência.

A praça é do povo, esta frase que já fez parte de discursos políticos e obras literárias e cinematográficas, sintetiza o evento que acontece uma vez por mês (o próximo é em 12 de agosto) no bairro que não tem cinema, teatro, livraria nem centro cultural, como acontece na maior parte da periferia carioca, o que só reforça o conceito de "cidade partida", criado pelo jornalista Zuenir Ventura nos anos 1990, mostrando o abismo cultural e econômico que separa os subúrbios e a Zona Oeste da área central da cidade e da Zona Sul.

Mas o pessoal da Casa da Memória Paciente (Camempa) não está muito preocupado com isso não. Eles querem, através da cultura, reforçar a identificação do morador com o bairro, fazendo com que ele conheça a sua história e reforce seus laços com o local onde vive. E olha que Paciência tem uma história rica, sempre contada no evento e que passa por uma mulher bem à frente do seu tempo, comandando uma próspera fazenda no século XIX, Mariana Eugênia Carneiro da Costa.

Era a Fazenda da Mata da Paciência, comandada por seu marido, João Francisco da Silva e Sousa desde o final do século XVIII até a sua morte, em 1815, quando então Mariana Eugênia assumiu tudo, trazendo inovações como o engenho a vapor, que poupava os braços dos escravos e aumentava a produção. A fazenda era frequentada pela família real portuguesa, já que o príncipe regente D. João elegeu a vizinha Fazenda de Santa Cruz, a antiga e poderosa propriedade dos jesuítas, como palácio de veraneio.

Assim, a Fazenda da Mata da Paciência era a última parada antes de se chegar a Santa Cruz, após longas cinco horas pela Estrada Real de Santa Cruz, onde D. João e seu séquito de nobres, convidados, serviçais, escravos e, por que não dizer, muitos puxa-sacos, paravam na confortável instalação de Mariana Eugênia para tirar o pó da estrada, descansar, apreciar a bela vista da Serra de Paciência e comer alguns petiscos acompanhados de sucos de frutas da terra.

Quem muito se impressionou com Mariana Eugênia e sua fazenda foi a inglesa Maria Graham, que veio ao Brasil para ser a preceptora, ou seja, cuidar da educação da rainha Maria da Glória, filha de D. Pedro I e da Imperatriz Leopoldina, e descreve, em seu livro 'Diário de uma viagem ao Brasil', que, ao chegar à Mata da Paciência, em agosto de 1823, "teve uma recepção das mais polidas por parte de uma bela mulher, de tom senhoril, que encontramos na direção de seu engenho, o que é de fato interessante".

Esta rica história é contada pelos membros da Camempa com o intuito, como se disse no início, de reforçar a identidade do morador com o bairro, valorizando o lugar onde ele mora e estimulando a cidadania. É comum vermos moradores até antigos do bairro emocionados ao conhecerem essa história tão rica, o que aumenta o seu cacife na hora de pedir melhorias ao poder público, totalmente ausente no bairro em relação à cultura.

No próximo dia 19, por exemplo, vai acontecer o primeiro Roteiro Histórico de Paciência, promovido pela Camempa e pela guia de turismo Deca Serejo, do Rio de Coração Tour, que também vem contando a história de outros bairros da Zona Oeste, "marcando território", como ela costuma dizer. Os participantes vão conhecer ruínas da fazenda, o cemitério de escravos, o Marco Imperial de número 10, que servia como referência e delimitação nas idas da família real a Santa Cruz, e ainda teremos o passeio ciclístico no dia 26, várias atividades que vão unindo o passado e o presente em busca de um futuro melhor para os moradores da região.

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