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Por André Luis Mansur Baptista Jornalista e escritor

Como usuário há quase três décadas dos trens do ramal de Santa Cruz, estou acostumado às viagens em geral rápidas e hoje um pouco mais confortáveis, devido às composições mais novas, com ar-condicionado. O trem é o reduto de um número diversificado de ambulantes, que vendem desde refrigerantes e biscoitos até produtos que "nunca saem de linha", como a "raspa do joá", ideal para a seborreia, cortadores de unha, abridores de latas, revistas de palavras-cruzadas e picolés "da fruta", tudo com direito a jargões tradicionais, como "é o passatempo da sua viagem, freguês", ou então "não ter dinheiro não é vergonha, é falta de oportunidade".

A estação de Deodoro é a mais antiga do ramal, inaugurada em 1859, com o nome de Sapobemba, homenagem ao engenho de mesmo nome. Após a proclamação da República, em 1889, o nome foi alterado para o atual, referência ao Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República. Saindo de Deodoro, o trem chega à Vila Militar, estação inaugurada em 1910, com um prédio que lembra um castelo medieval, e que traz esse nome graças ao grande número de quartéis do Exército em toda a região.

Magalhães Bastos, a estação seguinte, aberta em 1878, homenageia o coronel Antônio Leite de Magalhães Bastos Filho e, logo em seguida, chegamos à ampla estação de Realengo, também inaugurada em 1878 e por muito tempo uma das mais movimentadas de toda a Central do Brasil, devido à presença dos cadetes da antiga Escola Militar do Realengo.

Depois deste bairro, temos uma estação bastante conhecida, a de Padre Miguel, hoje com o nome ampliado para Mocidade de Padre Miguel, devido à famosa escola de samba. A estação foi inaugurada em 1940 como Moça Bonita, passando a Padre Miguel em 1947, quando morreu esta importante personalidade da história da Zona Oeste. Em 1948 surgiu a estação de Guilherme da Silveira, logo após a de Padre Miguel e em frente ao estádio de mesmo nome, do Bangu A. C.

Chegamos agora a outro bairro importante da Zona Oeste, um dos mais populosos: Bangu, estação construída em 1890, ainda de madeira, para atender principalmente à Fábrica de Tecidos Bangu, inaugurada três anos depois e que foi o ponto de partida do desenvolvimento do bairro. A estação atual é de 1938. Na parada seguinte, temos a estação de Senador Camará, inaugurada em 1923, em homenagem ao senador Otacílio de Carvalho Camará. A próxima estação, a de Santíssimo, é de 1890, também uma das mais antigas, entre dois políticos, já que a estação a seguir tem o nome do senador Augusto Vasconcelos, conhecida apenas como Vasconcelos, de 1914.

Campo Grande, logo após, teve a estação inaugurada em 1878, com um grande movimento no auge da produção de laranjas, quando o bairro e boa parte da região foram os maiores produtores da fruta no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1950. Uma pequena parada, hoje a estação de Benjamim do Monte, foi aberta logo depois de Campo Grande, em 1971, para atender principalmente os empregados do estaleiro Ishikawajima. Logo em seguida, temos a estação de Inhoaíba, inaugurada em 1912, e depois a de Cosmos, de 1928. Foi lá que a Companhia Imobiliária Kosmos construiu a Vila Igaratá, de onde se originou o bairro.

A outra estação, de Paciência, foi construída em 1897 e seu nome está ligado à Fazenda da Mata da Paciência, muito importante na primeira metade do século XIX e que era administrada por Mariana Eugênia Carneiro da Costa. Antes de chegar ao final da viagem, paramos na estação de Tancredo Neves, de 1987, até poder, enfim, esticar as pernas na estação de Santa Cruz, inaugurada em 1878 e que por algum tempo possuía um pequeno ramal com destino ao Matadouro de Santa Cruz, hoje desativado.

Para milhares de trabalhadores, esta é a metade do trajeto que percorrem todos os dias, pois de Deodoro à Central do Brasil ainda tem muito chão, ou melhor, muito trilho pela frente. Hoje, quando pego o trem, geralmente uma vez por semana, costumo cometer "atentados literários", deixando um livro no banco do trem quando a composição chega à Central, e lembro, com saudades, do vendedor que oferecia os "Biscoitos Copacabana, preço de pobre, sabor de bacana", um slogan que nunca saiu das minhas memórias.

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