ALFREDO SIRKIS - DIVULGAÇÃO
ALFREDO SIRKISDIVULGAÇÃO
Por Alfredo Sirkis Escritor e jornalista

Evidentemente que o incêndio do Museu Nacional propicia, em plena campanha eleitoral, a busca dos "culpados". A mídia não vive sem eles, a extrema esquerda e a extrema direta precisam de alguém para acusar. O "indignismo" vigente procura quem foi o corrupto responsável pelo sinistro. O governo Temer, com sua impopularidade abissal, é um ótimo bode expiatório. Mas o PT, que exercera o governo nos 16 anos anteriores aos últimos dois, também é forte candidato.

A reitoria da UFRJ, com forte presença da extrema esquerda, idem. Ou seja, tem culpado para todo gosto e feitio, podemos atirar para vários lados. Com tantos museus incendiados nas últimas décadas (MAM, Museu da Língua Portuguesa, Butantã, Museu da América Latina) era evidente que o velho casarão imperial era de alto risco, em particular por causa de seu abandono.

De fato, se fôssemos atribuir culpas, elas se dividem na proporção do tempo, de poder e da proximidade direta com a instituição. Durante todos esses anos, houve essa constante: o descaso. Curiosamente, foi no último período que se mobilizaram insuficientes R$ 21 milhões, uma parte destinada à prevenção de incêndios. Mas não poderia ser gasto em período eleitoral. Imaginem a mídia e o MP se o fossem. E o fogo foi mais rápido no gatilho...

Se decidirmos olhar com mais amplitude e menos oportunismo político, perceberemos que a responsabilidade é bem mais ampla. Ela tem a ver com a forma com que olhamos a nossa história. O Museu Nacional estava abandonado há muito tempo. Na hora de definir prioridades cultuais, sempre foi o patinho feio. Muito tradicional e eclético no tipo de acervo - dinossauros misturados com presentes, múmias, móveis e quadros do império -, sem o moderno charme audiovisual e de tecnologias digitais, era a tia velha que a gente só descobriu que gostava quando a idosa ateou fogo às vestes.

Há algo maior que explica esse descaso de maneira mais abrangente: trata-se de um prédio onde, durante um longo período, se travaram episódios e se tomaram decisões chaves da nossa história política. Museu ou não museu foi a sede do poder no Império lá, onde eram tomadas as decisões, onde o poder era exercido, onde se fez história do Brasil. Em outros países, um local dessa natureza estaria envolto numa mística histórica, e cultivado como um precioso bem nacional.

Mas, aqui temos nosso bom e velho complexo de vira-latas que considera a história do Brasil, nesse e noutros períodos, uma sucessão de pequenos folclores: as coxas de galinha de D. João VI, o túnel usado por D Pedro I para encontrar-se com a marquesa da Santos, sua amante. Uma república instituída --quase a contra gosto-- por um golpe militar tortuoso negou a figuras históricas como D. João VI e D.Pedro II a dimensão de estadistas que tiveram à época. D. Pedro I escapou, por pouco, por causa do grito junto do Ipiranga ainda que também sobre esse último episódio se cultivem versões escatológicas. Uma historiografia de pseudoesquerda chega a glorificar o agressor, aventureiro, Solano Lopes fazendo dele um "herói antiimperialista".

Com tanto desamor pela nossa história à diferença do que sentem argentinos, mexicanos e norte-americanos, pela deles, não chega a ser surpreendente que o casarão da Quinta da Boa Vista e seu museu tenham sido sempre colocados na lanterninha das dotações orçamentárias dos governos e da universidade. Mas, quando tudo pega fogo, paradoxalmente, passa a possuir um valor mórbido já contribui para a narrativa do nosso complexo de vira-latas: somos realmente uns merdas, deixamos flambar nosso Museu Nacional.

Que escândalo! Procura-se o culpado. E o culpado somos nós...

Você pode gostar
Comentários