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Por André Luis Mansur Baptista Jornalista e escritor

Toda tarde de domingo, já há muitos anos, é a mesma coisa: o grupo Choro na Calçada se apresenta de meio-dia às 18h, com sopros, cordas, percussão e o espaço aberto para quem quiser "dar uma canja". O cenário é a Praça de São Pedro, ao lado do píer da Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste, com a Restinga da Marambaia ao fundo, duas vetustas amendoeiras fazendo sombra, restaurantes especializados em frutos do mar e outros atrativos, como a feira de artesanato 'De braços abertos', um píer para passear, ver o por do sol (que para muitos é mais bonito do que o do Arpoador) e conhecer, na outra ponta dele, a Igreja de Nossa Senhora do Desterro, de 1629, uma das mais antigas da cidade. Além disso, ainda dá para visitar, se estiver aberto, o Coletivo Cultural Mulheres de Pedra, muito atuante na região e que trabalha principalmente com a valorização da cultura negra e do papel da mulher na sociedade.

O principal, em um domingo na Pedra, é ouvir música, prosear, flanar pelo píer, coisas típicas de um jeito carioca de ser, embora esse lado do Rio de Janeiro não receba a mesma atenção do litoral mais famoso, das garotas de Ipanema ou da princesinha do mar. Mas sem problema. Os moradores da Pedra, como ela é mais conhecida, gostam dela assim, sem muita badalação, como se fosse uma tranquila vila de pescadores, assim como aqueles que a visitam e sempre acabam voltando.

A tradição musical da Pedra vem de muito longe, da época da Banda Deozílio Pinto, criada em 1870 e cuja sede ainda existe, pertinho da praia. Deozílio Manoel Pinto, que deu nome à banda e é nome de rua no bairro, esteve à frente dela de 1905 a 1936, quando morreu, deixando um grande número de composições. Alguns de seus descendentes continuam ligados a atividades culturais na Pedra, como Nilson Pinto.

As Mulheres de Pedra também têm uma atuação intensa no bairro há quase 20 anos. Em sua sede, na simpática e aconchegante casa da rua Sayão Lobato, 138, também perto da praia, ocorrem saraus, apresentações teatrais, exibições de filmes, exposições, palestras etc, incluindo espaços para hospedagem de grupos de outros estados e do exterior. Leila Souza Netto, que está à frente do coletivo, e que cedeu sua própria casa para a sede do coletivo, iniciou o projeto reunindo muitos artistas plásticos, uma tradição antiga do bairro onde morou Heitorzinho dos Prazeres, filho do pintor e compositor Heitor dos Prazeres, que teve ateliê na Pedra por muito tempo e ofereceu oficinas de desenho e pintura para as crianças do bairro. Outros artistas locais importantes são Mestre Saul e Sérgio Vidal da Rocha, que continuam produzindo bastante

Em torno de toda essa movimentação cultural, estão os restaurantes do polo gastronômico, uma tradição que vem de longe, como o atesta o saudoso Candido's, que recebia muitos artistas, e o Fernando's Bar, este ainda bem atuante em seus mais de 70 anos. Era no Fernando's, hoje administrado pelo filho dele, César, que os pescadores tomavam o café reforçado na madrugada antes de encarar o trabalho na Baía de Sepetiba. Aliás, a Colônia de Pescadores Z-14 também continua lá, firme e forte.

O domingo na Pedra pode terminar com uma chegada à Igreja de Nossa Senhora do Desterro, que, como foi dito, é uma das mais antigas do Rio de Janeiro, construída em 1629, na época em que a Fazenda da Pedra, dos religiosos carmelitas, dominava todo a região. Localizada em uma pequena elevação, de frente para a praia, é o local ideal para se assistir ao pôr do sol. Ao lado, a Ladeira do Porre Certo dá, com o seu nome, um toque pitoresco, e por que não dizer, carioca de irreverência e de bom humor.

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