Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por O Dia

Rio - “Morreu Bibi Ferreira”, foi o que ouvi quando ainda não havia me dado conta de que parte do dia já havia partido. O tempo é assim. Soberano. Morreu a soberana dos palcos. Morreu a dama que ousou ir além dos mortais. Fez-se eterna em personagens, fez-se eterna nas canções.

Piaf reviveu e, também, Amália e, também, Sinatra. Isso, recentemente. A idade não a impediu de reinar. Sua arte foi completa. Dirigiu com afinco, atuou com energia, amou sem economias.

Mexo a cabeça discordando do que ouvi. Não pode ter morrido. Os mitos não morrem, nem as fadas, nem as deusas. Morreu Abigail, Bibi permaneceu. Seu pai a olhou com profecia e sua mãe ofereceu-lhe disciplina. A vida de artista é árdua. Foi ela valente. Não era possível voltar para trás. Não era possível abandonar a razão pela qual ela nascera. E assim é que se deu a sua trajetória.

O bom humor dialogava com a sisudez necessária de quem percorre a perfeição. As palavras não podem ser ditas de qualquer maneira. As canções precisam obedecer ao que vem do alto. E o alto nunca a assombrou.

Nas coxias, a gratidão; no palco, a iluminação; no despedir-se, a consciência de que era preciso permanecer.

As pessoas se vão depois de um espetáculo como Gota D' Água sorvendo a dor de Joana, da mulher abandonada. Se vão depois de My Fair Lady, cantarolando as canções que fizeram a mulher das ruas acreditar que podia ser florista. Se vão depois de O Homem de La Mancha, marchando em profissão de valentia, contra os moinhos de vento e a favor de um amor romanticamente encontrado.

Bibi operou esses milagres. A palavra foi sua cúmplice. O respeito à palavra e o respeito a quem deve ouvir a palavra. A palavra que ora me vem é “imortal”.

Ninguém poderá falar da tragédia ou da comédia sem se lembrar dela. Do fazer rir ao fazer doer. A alma dói. Dói a dor necessária. A arte não se curva ao imediatismo. Ela resgata o esquecido e acena para o que ainda está por vir.

Bibi foi generosa com os jovens. Lançou esperanças. Imaginou novos tempos, novas formas de interpretar, respeitando a atemporal consciência de que o teatro precisa prosseguir. Falam dos seus feitos. Os que a conheceram têm histórias para contar. Eu tenho. E não são poucas.

"Eu sei que você está sofrendo de amor, meu amigo, mas posso garantir uma coisa, chegará um dia em que você terá saudade de sofrer de amor".

“Como assim?”.

"Quando se sofre de amor, sabe-se vivo, quisera eu voltar a sofrer de amor".

Entre as estrelas, Abigail está amando. E sorrindo o sorriso lindo que acolhia. Basta olhar para o alto que é possível vê-la. Quando Procópio, seu pai, escolheu esse nome, decidiu: todos a chamarão de Bibi.

Bibi, a imortal. Bibi, a que permanece em paz.

Gabriel Chalita é professor e escritor

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