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opina5marARTE O DIA
Por O Dia

Durante meses preciosos, na década de 1960, tive o privilégio de conviver, no Edifício Manchete, com um naipe maravilhoso de artistas, entre os quais Paulo Autran e a recentemente falecida Bibi Ferreira. Era o tempo da inauguração do Teatro Adolpho Bloch, com a apresentação inesquecível de ‘O Homem de La Mancha’, sob a competente direção de Flávio Rangel. Lembro que a versátil Bibi Ferreira, filha de Procópio Ferreira, fazia o inesquecível papel de Dulcineia, e não havia quem não chorasse com os momentos finais da peça, especialmente quando a grande artista cantava, com a classe de sempre, a memorável ‘Sonho impossível’, de Chico Buarque e Paulo Pontes. Quanta recordação!

Na sua longa existência (morreu aos 96 anos de idade), Bibi colecionou êxitos e mais êxitos. Ela própria guardava memoráveis recordações da peça ‘Gota d’Água’, outro sucesso de muitas apresentações.

Bibi tinha talento multifacetado. Tanto podia tocar violino quanto exercer a direção de um espetáculo, sempre com seriedade e competência. Nos seus últimos anos de atuação, esmerou-se nos sucessos de Edith Piaf. Ela cantava tão bem que muitos consideravam as suas apresentações até mesmo superiores, em qualidade, às da grande cantora francesa. Pode existir elogio melhor? O seu ‘Hino ao amor’ (L'hymne à l'amour) é verdadeiramente antológico.

Abigail Izquierdo Ferreira (Bibi), filha de mãe bailarina (espanhola) e do grande Procópio Ferreira, a quem ela muito admirava, morreu dormindo, depois de ter passado a vida brilhando em tragédias e comédias. Aos 22 anos criou a sua a própria companhia de teatro e talvez o seu maior sucesso tenha sido assinalado mesmo com a apresentação de ‘Gota d’água’, de autoria de uma dupla incomparável, constituída de Chico Buarque e Paulo Pontes. Bibi acabou se casando com este último, com quem viveu uma vida feliz.

Mesmo nunca abandonando o teatro, Bibi também demonstrou sua arte atuando no cinema, apresentando programas de TV e gravando discos. Em 2003, virou enredo da escola de samba Viradouro. No ano passado, o espetáculo ‘Bibi, uma vida em musical’, escrito por Artur Xexéo e Luanna Guimarães, teve grande sucesso, contando vida e obra da nossa diva.

Com a perda de Bibi, vivemos momentos muito tristes para o Brasil. Acima de tudo, ela foi uma grande comunicadora. Transformou a vida de muita gente, com a sua arte inigualável. A sua filha Tina definiu em poucas palavras o que foi Bibi Ferreira: “O grande amor da vida dela foi o público para o qual trabalhou sem descanso e muita competência”.

Bibi casou-se oito vezes e tornou-se imortal, como outros grandes artistas brasileiros: Cacilda Becker, Marília Pera (minha vizinha em Ipanema) e Tônia Carrero, a quem eu sempre chamei de professora (era formada no Instituto de Educação). Considerada a diva brasileira, Bibi sabia tudo de música. Segundo ela, “sem entusiasmo você não faz nada”. Tinha horror a telefone e sempre se sentiu realizada com a sua carreira. Por isso, fazia tudo sempre com alegria.

Simbolicamente, ter o corpo velado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro tinha um grande significado, pois é a principal casa de cultura do país, a qual tive a honra de administrar por três anos (1980 a 1983), ao tempo em que fui Secretário de Estado de Educação e Cultura (Governo Chagas Freitas). Bibi Ferreira sempre teve uma ligação profunda com esta casa: foi lá que aprendeu balé quando era criança, e anos depois, dirigiu o setor de dramaturgia. Não poderia haver lugar melhor para que fãs, amigos e parentes se despedissem da grande estrela brasileira.

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