Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por O Dia

São Paulo - Não. Na minha banca não há uma sequer. Sou cuidadoso. Gosto de ver as cores das frutas anunciando a novidade e permanecendo mesmo no esmaecer do dia. Quando vou embora, recolho o que me cabe e descanso com gratidão.

Faço isso sempre. No mesmo lugar. Conversando e vendendo. Sugerindo. Ouvindo histórias. Percebo que algumas pessoas gastam mais tempo que o necessário para ganhar a necessária atenção. Como estão carentes as pessoas! Estão ou são? Talvez sejam, mas estejam um pouco mais, nesses tempos de tanta solidão. Gosto da conversa. Não me cansa gente que conta, em detalhes, detalhes que, em dias anteriores, já me foram contados.

O que ganho não é muito, mas é bom. Não sou dos luxos. Um relógio caro ou barato marca a hora do mesmo jeito. Não vou jantar três vezes por dia. A roupa que tenho é simples. Minha casa tem o tamanho necessário para nós dois. Minha mulher trabalha em uma escola. É secretária. Vez ou outra, leva frutas para os colegas. Faço questão de escolher, de preparar, de ajudá-la a alimentar de prazer o seu cotidiano.

Os que me conhecem gostam de mim. Digo isso com humildade, mas com reconhecimento de que tive valores em minha casa. Desde sempre soubemos o significado da honestidade. Meus pais moram no interior. O meu interior guarda dias lindos de aprendizagens. Meu pai é romântico sem economias. Ouço a voz da minha mãe perguntando a ele o que deseja para o jantar e a resposta sem ensaios: "Quem tem o principal não discute o acessório". E minha mãe ria com cerimônias. E ele retirava, de algum esconderijo, uma rosa, beijava e a entregava com sorriso nos olhos. Foi assim que aprendi a sorver o essencial do dia. De cada dia.

Ontem, voltei triste pra casa. Enquanto vendia alguns morangos, vi algum dinheiro caindo do bolso de um senhor. Imediatamente, peguei o dinheiro do chão e o avisei. Ele prosseguiu, distraído. Eu corri atrás dele e entreguei o dinheiro. O homem que o acompanhava olhou-me com deboche e lascou: "Se fossem mil reais, você não devolveria". Homem bem vestido por fora. Alto no tamanho. Rico na pasta. E prosseguiram.

Eu permaneci, sem conseguir dar uma resposta. Voltei às minhas frutas. Enquanto vendia, brigava comigo mesmo por nada ter dito. Claro que devolveria. Sou decente. Que estupidez. Pobre homem descrente do homem. Sei que há os que ficaram podres, porque ninguém deles cuidou. Eu fui cuidado. A água da bondade espantou as sujeiras de mim. Os dizeres corretos evitaram as pragas. Não precisei de remédios. O colo de minha mãe me protegeu.

Contei para minha mulher, enquanto comíamos o jantar. Ela ouviu. Eu disse que nada disse. Ela disse que fiz bem. Palavras não podem ser desperdiçadas. Mudou de assunto e falou da homenagem que receberá dos alunos no dia da formatura. Seus olhos estavam marejados de felicidade.

Deitamos abraçados. Seu cheiro me acalma e me anima. É bom dormir assim. Amanhã, vou levantar antes dela e preparar um café diferente, com frutas e uma flor. E um bilhete dizendo, do jeito que sei escrever, o quanto a amo. É minha maneira de homenagear a homenageada.

Saudade dos meus pais.

Gabriel Chalita é professor e escritor.

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