Ricardo Cravo Albin - reprodução
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Por O Dia

Rio - Meus cuidados (e reclamações) permanentes em relação à memória por vezes incomodam alguns apressadinhos. Que pouco se dão conta de que só se constrói um país justo e decente quando acimentado na investigação crítica do passado.

Considero essencial a celebração de personagens ou eventos que ajudaram a definir a alma deste país miscigenado, uma nação originalíssima nas contradições e alegoricamente poligâmica nas injustiças.

Há meses me amofinei com a lassidão dos 200 anos da independência do Brasil, que vêm sendo tratados pelo governo federal com atraso constrangedor.

Propus o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como o escoadouro natural do que se planeja para 2022. Até porque – mas não só por isso – o IHGB era frequentado com assiduidade pelo Imperador Pedro II, filho do Proclamador da Independência. Agora, com a cultura nas mãos do “Ministro” Henrique Pires e de Miguel Proença (na Funarte), os projetos podem se encaixar com Arno Wehling (no IHGB). Todos nomes de peso e de respeitabilidade.

Na verdade, acode-me acima apenas um evento histórico. Essencial, por certo. Mas há um cipoal de pessoas e datas a serem resgatadas. Afinal, o débito com a memória do país é crônico e insustentável.

Não me limito aqui aos mortos. Há pouco soube pelo homem de ação Carlos Alberto Serpa, presidente do Conselho Cultural da Arquidiocese, que o arcebispo do Rio, Cardeal Orani Tempesta, cumpre dez anos de exercício pastoral agorinha mesmo, em 19 de abril. Cuidar espiritualmente da cidade de São Sebastião do Rio é raro privilégio. Ela era ainda uma aldeia em 1565 quando abençoada pelo cronista, escritor e hoje santo da Igreja, Padre José de Anchieta. Não à toa o Apóstolo do Brasil e o patrono da Academia Carioca de Letras.

Pois bem, os que acompanhamos o singularíssimo pastor Orani, aprendemos não só a lhe devotar admiração, mas a amá-lo. Raros, esses sentimentos? Sim, mas inevitáveis pela grandeza austera de sua obra junto aos pobres, aos desvalidos, a seus irmãos de fé.Alguém já me disse que Dom Orani mais parecia um bulldog, de cara fechada, pouco riso, palavras econômicas. Grave equívoco de gente fútil, que se aproxima da autoridade cardinalícia – no caso dele muito simples, mas firme – apenas para reles bajulação, ou para vangloriar-se de trocar palavras toscas com um príncipe da Igreja.

Dom Orani, muito ao contrário de casmurro e fechadão, cativou todo seu rebanho pela modéstia e verdade com que esgrime suas ações. Trabalhos incessantes e persistentes, mesmo com as abusivas incompreensões de que, aqui ou acolá, passou a ser vítima.

Por isso, e porque a modéstia que povoa sua alma sensível está ficando avessa à celebração de 10 anos no arquebispado carioca, ressalto-lhe hoje o valor. Com alegria e circunspecção. E me curvo ante sua ilibada honradez. Que abriga rigorosa honestidade, tanto pessoal, quanto pastoral.

Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cultural Cravo Albin

 

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