Renato - Divulgação
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Por Renato Cinco*

Rio - A foto é conhecida: um homem enforcado, dentro de uma cela, de joelhos no chão. O ano é 1975. A cela, o DOI-CODI de São Paulo. O homem, Vladmir Herzog. Junto à foto, os órgãos de repressão divulgaram uma versão oficial dos fatos: Herzog teria se enforcado com uma tira de pano. A tese do suicídio nunca foi verossímil, mas a ditadura militar-empresarial a sustentou até o fim.

Em 1976, os familiares entraram com uma Ação Declaratória na Justiça Federal de São Paulo para que a União Federal fosse considerada responsável pela detenção arbitrária, tortura e morte do jornalista. Passaram-se quase 20 anos até a decisão definitiva que gerou a obrigação de indenizatória. E somente em 2013 a causa mortis foi retificada: “a morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do II Exército – SP (DOI-Codi)”.

Em 2018 a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela falta de investigação, de julgamento e de punição dos responsáveis pela tortura e assassinato de Herzog.

Como o regime poderia achar convincente que se tratava de um suicídio a imagem de um homem cujos joelhos encostavam o chão? A foto de Herzog está longe de ser a única versão oficial fantasiosa da época. Pelo contrário: são centenas de casos de executados sob tortura que foram apresentados como suicídio, atropelamento, morte em confronto. Grupos cujas violações sofridas ainda não foram dimensionadas, como indígenas, favelados, sindicalistas, militares, trabalhadores rurais e a população LGBT.

A transição para um regime democrático não foi suficiente para mudar essa prática. Como o Brasil não levou adiante políticas de memória, verdade, justiça e reparação, os agentes do Estado continuaram torturando, matando e desaparecendo com corpos. As justificativas, no entanto, se atualizaram: no lugar do “comunista” são os “bandidos” ligados ao tráfico de drogas que ocupam o espaço de inimigo a ser erradicado

A posição do atual governo de comemorar o golpe e limitar recursos à Comissão de Anistia aprofunda o desconhecimento sobre o período e a injustiça cometida contra milhares de brasileiros. Os processos encaminhados a esta Comissão não visam simplesmente uma indenização. São oportunidades para que o Estado conheça a sua história e a sua responsabilidade nela. O número de anistiados que conseguiram comprovar as violações sofridas é significativo. Ignorá-los é contribuir para o obscurantismo e a política de repressão e cerceamento de direitos que ainda estimula as inúmeras violações de direitos humanos do presente.

 

(* Renato Cinco é vereador pelo Psol-RJ)

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