opinião 27 abril 2019 - arte o dia
opinião 27 abril 2019arte o dia
Por O Dia

Rio - Não podemos debitar da natureza as dezenas de pessoas vitimadas pelo desabamento dos prédios construídos irregularmente na Muzema. Além dos que morreram, foram também vitimadas as famílias que perderam seus entes queridos e aqueles que, com renda decorrente de trabalho, adquiriram abrigos para suas existências e que agora ficam sem ter onde morar. Não foi a forte chuva que se abateu sobre a cidade a causadora do lamentável evento.

Os responsáveis são aqueles que atuam à margem da lei, dentro ou tangenciando o Estado, e os agentes públicos que deveriam zelar pela ordenação do espaço urbano e planejamento habitacional. Se milícias ocupam áreas de proteção ambiental e constroem prédios indevidamente, cabe a quem tem o poder de impedir tais ocorrências fazer valer a sua autoridade. Neste momento, em Brasília, uma queda de braço se estabelece entre o MP federal e o STF. Trata-se de saber quem pode investigar e quem pode mover ações penais. Se o MP quer a exclusividade da atuação, não pode atuar seletivamente. Tem que atuar em todos os casos nos quais presentes estejam os requisitos.

Nesses 26 anos na magistratura fluminense, já julguei muitas ações que visavam a promover remoções de habitações construídas em áreas não edificáveis, assim como ações por danos ambientais. Em Nova Iguaçu, onde fui juiz por quase 15 anos, várias foram as ações movidas contra o Município e contra o então prefeito Lindbergh Farias. Em algumas ações civis públicas movidas contra o prefeito determinei ao MP que incluísse, também, os ex-prefeitos como réus, porque não era justo o cerco institucional apenas a um deles. Em alguns casos isso não era possível, pois em relação a alguns já havia prescrição.

Uma ação civil pública movida contra o prefeito Lindberg Farias me chamou especial atenção. Tratava-se de um pedido de remoção de uma comunidade às margens da Antiga Estada Rio-São Paulo, no Km 32, próximo ao Viaduto dos Cabritos e da Fábrica de bebidas da Ambev. O pedido dizia que em frente à comunidade passava uma tubulação de gás e que isso seria potencialmente nocivo aos moradores. O MP trazia com a petição um laudo com fotografias. Designei uma inspeção pessoal e fui ao local, em meu carro. O MP não compareceu. É verdade que uma tubulação de gás fora colocada ao longo da rodovia, mas há décadas loteamentos com moradias e comércio já estavam estabelecidos a sua margem. Além do mais, quase toda a cidade tem tubulação de gás.

Diligenciei para saber quem fizera o laudo. Foram policiais militares lotados no Grupo de Apoio aos Promotores (GAP), que sem razão explicável pretendia a remoção de casas situadas além da divisa de Nova Iguaçu com o município do Rio de Janeiro, qual seja o Rio Guandu Mirim. Mas o processo era movido contra o prefeito de Nova Iguaçu. Não sei se algum membro do MP esteve no local alguma vez. Os PMs a serviço do MP é que faziam o trabalho de campo e elaboravam laudos.

Enquanto julguei improcedentes ações desse tipo, posso atestar que, em outras situações que demandariam maior atuação institucional, estas não ocorreram. O MP é uma das instituições que mais consome recursos públicos proporcionalmente ao número de locais de atendimento ao público. É o dono da ação penal e tenta fazer isso prevalecer, atualmente, no STF. Mas, precisa assumir suas responsabilidades institucionais para evitar a difusão das milícias e novas ocorrências como a da Muzema: devastação ambiental, construções irregulares e mortes por diversos motivos, dentre os quais desabamentos.

João Batista Damasceno é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio

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