João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por O Dia
Rio - A percepção da seletividade do sistema de justiça no Brasil incentiva a campanha pela libertação do ex-presidente Lula, maior líder popular da história recente do Brasil. Seu partido – sabiamente - mobiliza sua militância com a campanha Lula Livre, visando a retomada do projeto político interrompido com o golpe de 2015. Mas, as manifestações contra os cortes na educação, desmonte do SUS, precarização das relações de trabalho, sucateamento do sistema previdenciário e outras ameaças ao mundo do trabalho – por interessarem a amplos setores da sociedade - aglutinam mais que a campanha por sua liberdade. E, por não se restringirem à militância no entorno do líder carismático elevado a símbolo, têm maior potencial transformador.

Os que se manifestam contra o retrocesso nas políticas públicas, sem comporem a campanha Lula Livre, acreditam que a centralidade em torno do símbolo possa produzir efeito quanto à sua liberdade, mas não refreia a pauta avassaladora do neoliberalismo. O ex-presidente Lula é um expert da política, sabe das fraquezas do sistema iníquo no qual vivemos e por isto é imbatível na democracia de massa. Só o tempo poderá consumi-lo. E é com isto que seus algozes contam. Mas, o que precisamos é evitar que o pouco do estado do bem estar social existente no Brasil seja demolido pelo neoliberalismo.

A justiça eleitoral não deixou Lula fora da disputa em 2018 porque estava preso. Sem a prisão já estaria inelegível pela condenação, no ‘Principado de Curitiba’, num julgamento discutível. A lei que o tornou inelegível foi por ele mesmo editada, qual seja, a Lei da Ficha Limpa. Quando sancionou a Lei da Ficha Limpa, Lula se imaginou do lado do cabo do chicote. Mas, o chicote tem duas pontas.

Na época da edição da lei, Cid Benjamin e eu escrevemos sobre ela. Meu artigo no O DIA foi ‘A República Velha de volta’. Muitos que hoje esbravejam aplaudiam a ‘lei moralizadora’. Não perceberam que cavavam a própria sepultura por desconhecerem o que fora o judiciário na 1ª República.

Quando Angela Davis, professora universitária militante dos Panteras Negras, travou luta pela liberdade dos ‘Irmãos Soledad’, razão pela qual também acabou presa, não falava apenas deles. A luta era contra a criminalização dos negros. Era a questão da negritude que era debatida. Não apenas dos ‘Irmãos Soledad” e, depois, dela própria!

Lutar por justiça não é lutar apenas pela liberdade de um preso, ainda quando encarcerado injustamente. Mas, por um judiciário democrático e republicano que funcione com fundamento na racionalidade que se espera da ordem jurídica. A liberdade de Lula, sem que a liberdade das pessoas encarceradas injustamente seja posta em questão, significa pretender apenas a liberdade para Lula.

Quando a polícia matou Mineirinho e o ‘desovou’ na Estrada Grajaú-Jacarepaguá, Clarice Lispector escreveu uma crônica com o nome dele e assim terminou: O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno”. Sua preocupação não foi apenas com o que se fez com Mineirinho, mas com todos os vitimados pelos justiçamentos, expressão dos crimes particulares aprovados por aqueles que - bem vestidos e alimentados - se refugiam no abstrato. Ela queria um sistema de justiça justo para todos. Para todos! Em 1978 a crônica foi republicada no livro ‘Para não Esquecer’ e contribuiu na campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de direito do TJ/RJ