João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por O Dia
Rio - A concepção de que uma nova lei de abuso de autoridade possa impedir ilegalidades de agentes públicos é mais uma crença fundada na fantasia. Tal crença se afasta da análise concreta da formação brasileira e no autoritarismo que permeia as relações sociais. A lei editada é inócua. Os fatos que ela tipifica já estão elencados como crimes na legislação brasileira. Matar é crime e em poucos países do mundo se mata tanto quanto no Brasil. Torturar é crime hediondo, mas até um menino pego furtando chocolate em supermercado é sujeito a tortura por milicianos contratados pelo comerciante. A filmagem e divulgação demonstram a ousadia e confiança dos milicianos nos que os incentivam. Derrubar moradia em área de vulnerabilidade social, com o uso do `caveirão´, é violação ao direito social de moradia inscrito na Constituição, mas os abusos dos condutores do `caveirão´ são comuns. Tudo o que fica na frente está sujeito à destruição pelo veículo de guerra contra pobres: barracos, carros, bicicletas, carrocinha de pipoca etc... Atirar do alto de helicóptero na população favelada implicaria violação ao Tratado de Genebra, se o Brasil estivesse em guerra com outro país, mas em Angra dos Reis – de dentro do helicóptero no qual estava o governador – foram feitos disparos a esmo. Enfim! Leis já temos. O que falta é respeito à dignidade da pessoa humana pelos agentes do Estado e sistema de controle de suas atuações. A Constituição elenca dentre as atribuições do MP o controle da atividade policial.

Durante a ditadura empresarial-militar as instituições ficaram reféns da força bruta dos que comandavam o Estado a serviço de interesses não explicitados. Agentes públicos diversos, incluindo juízes, desembargadores e três dos melhores ministros da história do STF, foram cassados e os demais intimidados. Não havia garantias constitucionais na prática, embora inscritas na Constituição outorgada pelo próprio regime, para inglês ver. Os chefes do Ministério Público, fosse o procurador geral da república ou os procuradores de justiça estaduais, eram nomeáveis e demissíveis pelo Presidente da República ou pelos governadores do Estado, ao seu bel prazer. Foi a crença de que a falta de autonomia do Ministério Público, como controlador dos demais poderes era o que nos faltava para o regular funcionamento institucional, que possibilitou se desse à instituição sua feição atual, como superpoder do Estado.

Mas, as instituições são o que as pessoas que ocupam os cargos fazem na prática. E o Ministério Público se convolou num superpoder com alguns membros imbuídos de projeto de poder pessoal e enriquecimento. O conluio e as palestras remuneradas do ´principado de Curitiba´ o demonstram. No tabuleiro do xadrez institucional o MP anda para todos os lados e salta quantas casas quiser. Ninguém o controla. É parte processual quando quer (e somente a ele cabe avaliar se será parte ou não), é fiscal da lei, seus membros somente podem ser denunciados por crimes pelos próprios membros da corporação, os mais antigos se reservam o direito de acumular os cargos na instituição com o exercício da advocacia em seus escritórios e ainda podem se licenciar para concorrer a cargos eletivos. Se perdem a eleição ou encerram o mandato, podem voltar às funções ministeriais. Para quem quer ser chamado de magistratura de pé, ou parquet, os membros do Ministério Público devem ter as mesmas limitações dos magistrados e ter controle de suas atividades por órgão que não seja da própria instituição, como basilar princípio republicano.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de direito do TJ/RJ