Ricardo Cravo Albin - reprodução
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Por Ricardo Cravo Albin Jornalista e escritor

O que leem acima quer dizer isto mesmo o que vocês já estão concluindo. Claro que a flor (Rosa magnífica e olorosa, como na valsa Rosa do Pixinguinha) é Fernanda Montenegro, celebrada na quarta-feira no lançamento do livro de memória pelos seus gloriosos 90 anos.

Que idade é essa mais disparatada, quase mentirosa, quando aquela que se diz nonagenária mais parece uma jovem senhora na flor da idade. De fato, Fernanda Montenegro é não só a maior atriz deste país. Vai muito além, porque é uma exemplaridade concentrada em virtudes robustas. Tal como se podem observar (de raro em raro) em pessoas que não envelhecem, ou melhor, jamais envilecem. Ou seja, em nenhum momento da vida se transmudam em seres vis.

Acompanho por décadas a fio, com gozo e orgulho, a participação artística e cidadã da grande brasileira, hoje de reconhecimento mundial.

Lembro-me de quando entrei na rádio MEC como escritor e apresentador. Pressuroso, logo fui conferir os ilustres que trabalharam na emissora de Roquete Pinto, o sábio do pregão "pela cultura de nossa terra, pelo progresso do Brasil". Vislumbrei em primeiro plano o nome de Fernanda. Embora iniciando-se como radialista, já com a virtude máxima da profissão, o ter a voz perfeita.

Ao longo da vida topei com ela dezenas de vezes, não só indo festejá-la nos camarins depois das dezenas de peças a que assisti. Mas também em especialíssimo momento de emoção como admirador, ao entregar-lhe o prêmio Golfinho de Ouro de Teatro pelo Museu da Imagem e do Som como a melhor atriz do ano. Ela foi eleita por unanimidade pela interpretação radiosa do monólogo de Beckett em que aparece imobilizada, porque enterrada em meio do palco até o pescoço. Usando apenas a voz. Maravilhosamente emitida, mas conjugada pela absurda maleabilidade de um a um de seus músculos faciais, verdadeiro milagre, dialogando com o par de olhos, grandes, faiscantes, oceânicos. Que também sabiam falar e emudecer. Tal como um Oráculo da antiga Grécia.

O grande encontro que experimentei com Fernanda ocorreu a pouco mais de dois anos.

Convidei-a, e ela me honrou aceitando de pronto, a narrar comigo o espetáculo "MPB - A História de um Século.

Dois shows, cuidadosamente dirigidos e escritos por mim, que celebravam a história sequencial dos maiores compositores brasileiros, desde Chiquinha Gonzaga.

Um elenco de treze estrelas se revezava no palco do Teatro do BNDS, perfilando os fragmentos culturais da memória da MPB. Os intérpretes surgiam ao chamamento dos narradores, Fernanda e eu, encarapitados nos extremos direito e esquerdo da boca de cena.

Encabulo-me até de registrar o sucesso da íntegra dos dois shows históricos, com filas de mais de mil pessoas, metade das quais assistiu por telões instalados nos jardins do Teatro.

Portanto, ao saudar minha querida Fernanda Montenegro pelos seus misteriosos 90, disfarçados quase teatralmente em 50, e olhe lá, quero repetir a ela a frase que já deve lhe saturar os ouvidos, até pela insistência - Fernanda, eu te amo.

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