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Por O Dia
Rio - Há quase duas décadas o refrão “Quando a maré encher, quando a maré encher / Vou tomar banho de canal quando a maré encher”, da Nação Zumbi, estourava país afora. Em tempos atuais, o hit do fenômeno pernambucano assume contornos dramáticos. Relatório especial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, publicado em 2017, mostra que cerca de 8 milhões de pessoas podem ser afetadas em toda a América do Sul atlântica até o ano de 2100 se houver um aumento de dois metros do nível médio do mar. O mesmo documento, assinado por Fabio Scarano e Jose Marengo, aponta a porção nordeste da linha de costa da Baía de Guanabara, uma área que abrange os municípios de Guapimirim, Magé, Itaboraí e São Gonçalo, como territórios extremamente vulneráveis.

Para lidar com esse cenário impulsionado pelas mudanças climáticas, essas populações devem contar com o que especialistas chamam de “adaptações baseadas em ecossistemas” (ABE). Ou seja, contar com a ajuda de elementos naturais. A manutenção de bosques de manguezais, por meio de políticas públicas que garantam sua proteção, é uma delas. São Gonçalo tem mostrado que há um caminho neste sentido. Criou novas unidades de conservação e acaba de propor um plano de manejo integrado baseado em adaptações ecossistêmicas com foco nas questões relacionadas à crise climática. Adaptações essas com um mesmo objetivo: garantir seus usos econômicos e culturais sustentáveis, com incentivo ao ecoturismo focado na participação ativa da comunidade e populações tradicionais.

A maior dessas novas unidades é a Área de Proteção Ambiental (APA) de Itaoca, às margens da Baía de Guanabara. Com 30,9 Km², foi criada no ano passado, por decreto da prefeitura, com a participação direta do Ministério Público Estadual (MPE). Fica bem ao lado de outra APA, a de Guapi-Mirim. Com sua decretação, São Gonçalo cria as condições para evitar o loteamento irregular e a ocupação desordenada de uma região que ficará simplesmente debaixo d’água se a humanidade não conseguir frear as emissões de gases do efeito-estufa. Itaoca, que geograficamente se assume como uma ilha, já é vulnerável de diversas formas. Uma população dominada pelo narcotráfico, com precárias condições de vida, sistema de transporte em frangalhos, saneamento inexistente. Agora imagine a malha urbana se espalhando pelo mangue, e certamente você vislumbrará um cenário muito pouco agradável.

Os alertas que assombram Itaoca são globais. Pelo planeta, de 1994 a 2004 houve mais de 1.500 inundações, que deixaram um rastro de 120 mil mortos e 2 milhões de pessoas afetadas. Em 2016, cinco ilhas do Pacífico Sul despareceram, engolfadas pelo mar. Muitas outras serão varridas do mapa. As adaptações das sociedades tornam-se uma urgência dramática. As cidades devem liderar as ações. Há fundos específicos, alguns mapeamentos, gente capacitada. Que os governantes pensem na natureza quando a maré encher.
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*Emanuel Alencar é jornalista e editor de Conteúdo e Sustentabilidade do Museu do Amanhã